A
Petrobrás terá em 2016 mais um ano de superação. O equacionamento da
dívida, resultado de investimentos efetuados num ritmo inadequado,
agravado pelo preço do barril de petróleo e pelo câmbio, é um ponto
crítico.
Apesar disso tem um excelente desempenho operacional e reservas
de petróleo não contabilizadas em seu patrimônio, invejadas pelas
gigantes do setor e a maioria dos países.
Mas
há outro assunto que a companhia tem condições de mostrar sua
capacidade de inovação: o resgate de sua credibilidade, atingida pelo
envolvimento de ex-dirigentes na operação Lava Jato.
Redução da remuneração
Seu corpo dirigente poderia sinalizar com uma atitude com efeitos positivos não só para a Petrobrás, mas para todo o país.
Estamos
falando da redução na remuneração recebida pelos detentores de cargos
de Confiança (gerentes, coordenadores e consultores) aos níveis
equivalentes aos praticados antes do aumento implementado na gestão do
ex-presidente Henri Philippe Reichstul, no início dos anos 2000.
Mas,
qual o motivo desta decisão? Sinalizar à sociedade brasileira e
acionistas que estaria se procedendo a uma mudança de atitude e voltando
a conduzir a empresa em outros moldes.
Para
quem desconhece, Reichstul promoveu um significativo reajuste nos
adicionais dos gerentes e coordenadores, introduziu bônus de desempenho e
criou a função Consultoria, para reter talentos, segundo se divulgou à
época.
A decisão foi uma contraposição à carreira técnica ou de
especialistas, reivindicada pelos profissionais (a carreira Y).
Todas
estas funções foram denominadas "de Confiança", ou seja, poderiam ser
dadas ou retiradas por decisão superior, ao contrário dos cargos
permanentes (engenheiros, geólogos, economistas, advogados, etc.).
Classificar
um consultor, como uma função de confiança é um nonsense. Afinal, que
sentido faz declarar que um especialista em caldeiraria ou máquinas tem a
confiança do gerente?
Ele é um especialista exatamente porque se
aprofundou num determinado ramo do conhecimento que é importante para os
negócios da empresa. Seu reconhecimento deve ser dado por seus pares
técnicos, pela sua capacidade de resolver problemas, treinar outras
pessoas e difundir este conhecimento.
Unidades de Negócios
Criaram-se
também as Unidades de Negócios (UNs), onde cada refinaria, ativo de
produção ou instalação ainda são tratadas como empresas concorrentes e
seus gerentes cobrados e comparados pelos indicadores estabelecidos.
Normalmente, ao contrário do passado, quando tinham uma maior atividade
técnica, gastam um tempo muito maior nas tarefas administrativas,
gerenciando indicadores, participando de reuniões e produzindo
relatórios para seus superiores.
Ao
contrário da Petrobrás única e integrada então existente, passou-se a
otimizar as partes, em detrimento do todo. Para ficar apenas num
exemplo, a mão-de-obra dos técnicos do CENPES, seu centro de pesquisas,
passou a ser menos utilizada, pois, quando requisitada seu custo seria
cobrado das UNs.
Se não fossem, seriam pagas da mesma forma pelo CENPES.
Muitas vezes deixava-se de otimizar unidades por uma mera decisão
burocrática contábil. Noutras, se contratava empresas de consultoria
para serviços que poderiam ser realizados pelo corpo técnico próprio.
Na
míope contabilidade por Unidade de Negócios a contratação de serviços
externos ou com o CENPES seriam equivalentes. Na visão integral perde-se
eficiência e oportunidades de desenvolvimento interno.
Equipe x indivíduo
A
ênfase na equipe mudou para o indivíduo. O modelo então existente desde
sua criação, similar ao japonês, de vestir a camisa de empresa, foi
alterado para o americano, mais individualista, onde troca-se de empresa
a cada dois ou três anos, sem qualquer ligação ou comprometimento mais
profundo.
O projeto de equipe
(de uma unidade industrial, por exemplo, efetuada ao longo de quase um
ano), passou a ser avaliada como "nada mais que a obrigação" e a
assistência individual, como "destaque".
Quem
detinha o conhecimento passou a pensar duas vezes antes de repassá-lo,
pois poderia ser útil na obtenção de uma consultoria. Hoje, o modelo foi
ainda mais aprofundado: o consultor é avaliado separadamente dos demais
técnicos, apesar de ser um deles.
O
que antes era "somos todos Petrobrás", passou a ser dividido entre
"Cliente", "Parceiro" e "Prestador de Serviço".
Se a equipe era própria
(e, portanto, já paga) ou de uma empresa terceirizada, podia não ter
muita importância, para promover a concorrência e obter o menor preço,
mesmo se a empresa depois acabasse e não se tivesse a quem recorrer em
caso de algum problema.
Na verdade tinha: quando a empresa acabava, os
empregados próprios eram chamados a resolver e corrigir as falhas.
Foi
assim também nas pesquisas, onde de executor passou-se a coordenador do
projeto de universidades e outras instituições, perdendo a capacitação e
o conhecimento adquirido dos mais antigos, que se aposentavam.
Mudança cultural
Neste
ambiente, poucos se aventuravam a discordar ou apresentar restrições a
decisões superiores, principalmente os mais novos, que liam nas
entrelinhas qual era a regra do jogo para ascender rapidamente na
empresa.
Nem pensar em carreira técnica, o negócio era obter um cargo de
confiança e terceirizar o serviço, só cobrando o resultado, sem grandes
riscos e responsabilidades. Afinal, a perda do cargo significava uma
redução substancial nos vencimentos.
Numa
empresa, cabe à direção tomar as decisões, é óbvio, mas também cabe a
ela estimular que cada empregado, com ou sem cargo de confiança,
contribua com o melhor de sua experiência e competência, alertando para
imprevistos nem sempre visíveis para quem está tomando as decisões.
Antes
de 2000, a diferença de remuneração entre um técnico experiente e um
gerente com o mesmo tempo de casa não era significativa, afora os com RG
(Remuneração Global), em número restrito ao alto escalão e mais
antigos.
Não é o que ocorre nos dias de hoje, sendo tanto maior a
diferença salarial quanto mais novo for o empregado.
Não
que não houvesse distorções, decisões incorretas ou equivocadas, mas o
problema de receio de perda da função por um comentário mais crítico se
intensificou.
Assim também, as
gestões que se sucederam, com governos críticos a este processo,
mantiveram a mesma estrutura e cultura.
De igual forma, os novos
ocupantes dos postos de comando pouco fizeram para alterá-la, afora a
extinção dos bônus e a troca da designação Unidade de Negócios (UNs)
para Unidades Operacionais (UOs), mera mudança de denominação, pois
continuaram a funcionar da mesma forma.
O
afastamento entre os empregados com e sem função de confiança se
aprofundou e é visível nos comentários postados na intranet (a internet
interna corporativa) a propósito da reestruturação da ENGENHARIA.
No
caso do COMPERJ, por exemplo, com suas obras praticamente paradas, foram
previstos quase 70 cargos entre gerentes e coordenadores. É uma
resistência corporativa em admitir o óbvio: há muitos cargos de
confiança.
Em resumo: para
recuperar a credibilidade, inclusive internamente, é necessário romper a
barreira. Na reestruturação os empregados não estão sendo ouvidos, só
tendo acesso ao resultado final, como se apenas uns poucos tivessem a
competência e conhecimento para tal.
Uma meta a ser buscada
Para
quem acha que a proposta apresentada é ingênua e descabida, sugiro a
leitura do livro "Um país sem Excelências e Mordomias", de Cláudia
Wallin, Geração Editorial. É um guia para a reconstrução não apenas de
uma empresa, mas de um país.
Na
Suécia, deputados não decidem sobre seus salários, não tem gabinetes,
carros, nem verbas para a contratação de assessores, recebendo cerca de
USD 8000 (o dobro da remuneração de um professor primário). Cerca de 94%
dos políticos nas assembléias estaduais não recebem salários. Os
vereadores não são remunerados.
A
fórmula para a transformação de um dos países mais pobres da Europa, há
menos de 100 anos, em um dos mais ricos e menos desiguais foi baseada
em:
a) transparência dos atos do poder;
b) alta escolaridade do povo;
c)
igualdade social.
O Serviço Nacional de Auditoria, a Agência Nacional
Anticorrupção e o Instituto Anti-Suborno, garantem a transparência e
vigilância.
"Um bom lar não tem
membros privilegiados ou rejeitados; não tem favoritos nem filhos
postiços. Nele, uma pessoa não olha para outra com desdém; nele, o forte
não oprime nem o rouba o fraco. Em um bom lar, existe igualdade", disse
Albin Hansson, primeiro ministro em 1932, quando da instalação do
Estado do Bem Estar Social na Suécia.
Não é um bom começo de mudança e esperança num ano que se inicia?
Diomedes Cesário da Silva
Ex-presidente da AEPET