O procurador
Deltan Dallagnol foi o destaque de um evento secreto com representantes dos
bancos e investidores mais influentes do Brasil e do exterior. O encontro foi
organizado pela XP Investimentos em junho de 2018. A representante da XP que
contactou o coordenador da força-tarefa da Lava Jato prometeu que o bate-papo
seria “privado, com compromisso de confidencialidade”, e destacou que já havia
feito um evento parecido com o ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma
nota na imprensa”, garantiu.
Dallagnol
aceitou e pediu que a XP conversasse com a agência que organiza os eventos
pagos do procurador, a Star Palestras, que acabou coordenando a contratação. O Intercept
já revelou, com base nos chats secretos da Lava Jato, que Deltan Dallagnol
disse ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em
2018. Entre as empresas que pagaram pela presença do procurador, está uma investigada pela própria Lava
Jato. No caso da XP, não está claro se a ida do procurador foi
remunerada.
Dallagnol
e seus colegas discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao
se sentarem com banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena. “Achamos
que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um
chat privado com seu colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em
fevereiro de 2018. Pozzobon pediu um tempo: “Mas de fato é nessa questao dos
bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois”.
Reuniões
secretas com banqueiros já provocaram polêmicas com vários políticos e
funcionários públicos em outros países. Nos EUA, por exemplo, a recusa de Hillary Clinton
em publicar transcrições de seus discursos remunerados
para bancos de investimento de Wall Street — e o timing de doações feitas a sua
fundação filantrópica — se tornou uma linha de ataque forte e recorrente contra
sua campanha fracassada pela presidência
em 2016. Eventualmente, algumas das transcrições foram vazadas e publicadas
pelo WikiLeaks. A prática de palestras remuneradas é vedada por entidades como
o Departamento de Justiça dos EUA e o Tribunal Penal Internacional.
Os
detalhes sobre o evento com Dallagnol, realizado no dia 13 de junho de 2018 no
escritório da XP, em São Paulo, são relatados em conversas privadas que fazem
parte do pacote de mensagens que começamos a revelar no último dia 9 de junho.
O material reúne conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários
grupos do aplicativo Telegram desde 2014.
O Intercept,
junto com a Folha de S.Paulo, revelou este mês um plano
de Dallagnol para lucrar com palestras junto com Roberson Pozzobon, contando
com a ajuda de suas esposas. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar,
ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, falou
Dallagnol em um chat com sua esposa.
‘Não saiu nenhuma nota na imprensa’
Deltan
Dallagnol e Roberson Pozzobon em audiência pública na Assembleia Legislativa do
Paraná em 24 de outubro de 2016.
Foto:
Pedro de Oliveira/Alep
O convite
da XP Investimentos chegou a
Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de
política e Judiciário” da empresa. No começo da conversa, ela diz que é esposa
de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo
Janot quando Procurador-Geral da República. Antes de trabalhar na XP, Santos
era assessora particular do
Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.
“Queria
te convidar para um bate papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui
em SP”, escreveu Santos. Dallagnol explicou que já tinha um evento agendado com
a XP e pediu para Santos entrar em contato com sua secretária, mas mostrou mais
interesse após a consultora explicar a natureza do evento. “Seria um público
mais seleto. CEOs e tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e
internacionais”, ela detalhou. “Me passa uma lista de quem são?”, pediu
Dallagnol.
17 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 18:04:57 – JP Morgan Morgan Stanley
Barclays Nomura Goldman Sachs Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank
Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street
Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú
Bradesco Verde Santander
Santos – 18:06:17 – Esses seriam os convidados. Nem
todos comparecem.
Santos – 18:06:36 – Você deve estar agendado para o
Expert, uma conferência grande que realizamos em setembro.
Santos – 18:07:42 – Esse bate-papo é privado, com
compromisso de confidencialidade, onde o convidado fica à vontade para fazer
análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado.
Santos – 18:08:17 – Semana passada recebemos o
presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na
imprensa.
Santos – 18:09:25 – Nem sobre a presença dele na XP.
Santos – 18:09:43 – Assim, já aconteceu com vários
personagens importantes do cenário nacional, como você.
XP e
Dallagnol não confirmaram os participantes do evento para o Intercept,
mas na lista de convidados havia bancos que já foram investigados pela
Lava Jato. Depois da explicação do evento, os dois discutiram a logística e a
data:
17 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:06:04 – Mas me esclarece melhor: Vcs têm
encontros regulares sem data definida? Ou querem fazer um encontro específico
com alguma pauta? O ideal seria eu participar de um encontro que já exista…
18 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 10:33:53 – Fazemos econtros regulares com
atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade.
Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso
estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com
os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.
Santos – 10:34:49 – Além de integrantes do
Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças políticas e
cientistas políticos.
Santos – 10:35:33 – A reunião com vc se coloca nesse
contexto do ciclo de debates sobre eleições, lava jato e conjuntura política em
2018.
Santos – 11:24:14 – A principal diferença entre a
conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião privada é o tipo de
público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo que compreende o
cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já está nos jornais. O
público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se aprofunda em conceitos
de debates.
O
ministro Fux não respondeu ao Intercept. Já os ministros Barroso e Moraes
negaram ter participado em eventos do tipo.
Quatro
dias depois, Dallagnol perguntou sobre um possível cachê.
22 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:08:33 – Débora, a ida dos Ministros é
remunerada como palestra?
Dallagnol – 23:09:01 – Os encontros são convocados
então tendo em vista um convidado específico, certo?
Débora Santos – 23:42:49 – Sim, fazem parte de um projeto
que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são convocadas rodadas para
cada convidado
Santos – 23:44:40 – Temos como hábito respeitar a
privacidade dos nossos convidados
Dallagnol – 23:55:23 – Opa entendo perfeitamente.
Dallagnol – 23:55:44 – Debora vou pedir para a SUPRIMIDO que me ajuda com essas palestras
para falar com Vc.
23 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 00:01:15 – Tudo bem.
Àquela
altura, o procurador já sabia muito bem seu valor no mercado de palestras. Em
várias conversas anteriores, Dallagnol discutiu a remuneração de outras figuras
públicas – ele queria estabelecer seu próprio preço. Em um documento intitulado
“Projeto palestras.docx”, criado em dezembro de 2015 e editado pela última vez
em fevereiro de 2016, Dallagnol anotou três conversas relevantes:
Sobre as
palestras pagas:
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.
A XP se
recusou a confirmar a existência do evento secreto ou de pagamentos a Dallagnol
por sua participação. A Star Palestras, que agencia os eventos do procurador,
respondeu que os dados sobre clientes são privados e “por isso não fornecemos
informações”. Ainda afirmou que “se conduz em sua atividade segundo a lei e a
ética”.
Mas é
certo que o evento secreto aconteceu. Com a aprovação da XP, Dallagnol levou um
integrante da Transparência Internacional. A organização, que se descreve como
“dedicada à luta contra a corrupção”, juntou-se aos procuradores da
força-tarefa para criar as “Novas Medidas contra a Corrupção”, e confirmou que
Guilherme Donega, consultor do Programa de Integridade em Mercados Emergentes,
esteve presente e falou sobre a iniciativa.
Perguntado
sobre o conflito ético de reuniões privadas de procuradores – possivelmente
remuneradas – com bancos, a Transparência Internacional respondeu que “devem
ser evitadas atividades de qualquer tipo – mesmo as privadas – que possam
comprometer a integridade, equidade e imparcialidade necessárias à função que
exercem”. “Em caso de dúvida, recomenda-se que esta seja levada a um órgão
competente para um parecer prévio”, acrescentou a entidade, que informou ainda
que Donega não foi remunerado por sua participação.
‘Lula não pode dar palestra, procurador que ganha
super salário pode. . .’
GIF:
Reprodução/YouTube
Um ano
antes do encontro secreto com grandes investidores, Dallagnol já tinha dado uma
palestra numa conferência da XP Investimentos. Ele recebeu R$ 33.250. O evento
aconteceu quando as palestras do procurador já eram foco de muito escrutínio da
imprensa e do próprio Ministério Público.
A
preocupação, à época, era tanta que um assessor sugeriu que seria uma boa ideia
barrar a imprensa dos eventos em São Paulo e no Rio:
15 de junho de 2017 – Chat privado
Assessor 1 – 00:21:06 – na verdade, não sei se é uma boa
ideia a imprensa cobrir estas palestras em SP ou no Rio. acho que vale a pena
qdo é em cidades cuja imprensa não costuma ter acesso a vcs. mas em SP e Rio o
risco de uma cobertura mais “crítica” é maior.
Assessor 1 – 00:21:24 – não achei ruim, mas não foi tão
positivo assim.
Deltan Dallagnol – 00:21:25 – pois é, a ideia era não ter
Dallagnol – 00:21:32 – acho que eles se infiltraram
Dallagnol – 00:21:49 – alguém até perguntou: como
conseguiram credenciais?
Dallagnol – 00:21:59 – na XP, na próxima semana, deve
ter o mesmo problema
Assessor 1 – 00:22:12 – uai… Assessor 2 disse que a
imprensa ia cobrir, entendi que tinha sido combinado com a assessoria do
evento.
Assessor 1 – 00:24:19 – a assessoria deles pode barrar,
se quiser. mas eles capitalizam os eventos com vc, então é difícil. um
congresso como o de hj não teria espaço na Folha, no Globo e no Valor se vc não
tivesse participado.
Dias
depois, a corregedoria do Ministério Público abriu uma investigação após
a imprensa descobrir que uma agência
estava pedindo até R$ 40 mil por palestras do procurador. Ele afirmou que recebeu R$ 219 mil por
eventos no ano anterior. A Associação Nacional de Procuradores da República
soltou uma nota em defesa de Dallagnol.
O que não
se sabia, até agora, e que os chats da Vaza Jato revelam, é que o próprio
Dallagnol editou e aprovou a nota em apoio a si mesmo antes da publicação. O
procurador debateu o texto em conversas privadas com a procuradora e diretora
cultural da ANPR, Lívia Tinoco. Além de mandar a nota para aprovação de Deltan,
Tinoco repassou informações de bastidores para o procurador, antecipando o
resultado da investigação contra ele: “não vai dar em nada”.
23 de junho de 2017 – Chat privado
Lívia Tinoco – 15:56:21 – Deltan
Tinoco – 15:56:43 – Ja recebeu a nota da ANPR sobre
a questão das palestras remuneradas ?
Tinoco – 15:56:51 – Aprova aí pra gente soltar
Tinoco – 15:57:40 – Peço sigilo a vc, mas a ANPR
conversou com Hindemburgoque concorda não haver qualquer problema com as
palestras remuneradas
Deltan Dallagnol – 15:57:51 – NÃO VI
Tinoco – 15:57:56 – Com certeza a coisa vai bater na
corregedoria do MPF
Dallagnol – 15:57:58 – ótimo, boa notícia
Dallagnol – 15:58:05 – CNMP mandou pra corregedoria
Tinoco – 15:58:05 – E não vai dar em nada
Tinoco – 15:58:09 – Ele vai arquivar
Tinoco – 15:58:19 – Por favor, não comente isso
Dallagnol – 15:58:26 – claro, obrigado
Tinoco – 15:58:27 – Só para te tranquilizar
Dallagnol – 15:58:32 – obrigado Livia
Tinoco – 15:58:33 – Vou mandar a nota agora
Tinoco – 15:58:36 – Espere aí
Tinoco
estava certa: a investigação sobre a comercialização das palestras de Dallagnol
foi arquivada menos de dois
meses depois.
A ANPR e
a corregedoria não comentaram esta reportagem.
Ilustração:
João Brizzi e Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Marcos Bizzotto/AGIF via AP
XP, a cliente fiel. ‘Não é show???’
À época,
Dallagnol passou várias horas conversando com seus assessores de comunicação
para tentar conter os danos públicos à sua reputação causados pelas palestras.
Ele queria criar uma estratégia para responder aos jornalistas, mas parecia não
entender exatamente os riscos da decisão.
Os
assessores conseguiram convencê-lo a não responder aos críticos nas redes. O
procurador queria postar uma mensagem em que deixava claro que fazia “o que
quiser com o dinheiro das minhas palestras”. Indignado com o que chamou de
“acusações absurdas”, Dallagnol desafiava os políticos críticos a ele a mostrar
que doavam “para a sociedade seu dinheiro”, como ele afirmava fazer, em vez de
“drenar recursos públicos”. Terminou: “Então, podemos começar a conversar”.
20 de junho de 2017 – Chat
DD-Assessor2-Assessor1
Deltan Dallagnol – 12:33:07 – Mas por que a polêmica sobre
isso é ruim?
Dallagnol – 12:33:26 – Vai reforçar coisa boa
Assessor 1 – 12:34:20 – não vai, esse é que é o
problema. o que chama a atenção é o negativo, não o positivo.
Assessor 1 – 12:34:56 – Lula não pode dar palestra,
procurador que ganha super salário pode…
Assessor 1 – 12:35:32 – procurador fatura e ainda tenta
posar de bom moço…
Em nenhum
momento nos chats Dallagnol cogitou parar de receber para palestrar. Apesar das
críticas, da investigação na corregedoria, das matérias jornalísticas e do
risco à sua reputação relatado pela assessoria, Dallagnol e seus colegas
continuavam empolgados com a perspectiva de novas palestras remuneradas. Em
fevereiro de 2018, – depois da palestra pública na XP e antes do encontro
secreto com os bancos – o procurador relatou a Roberson Pozzobon um novo
convite da XP e pareceu se importar pouco com as considerações éticas e as
consequências para sua imagem.
8 de fevereiro de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 15:51:25 – Robito, recebemos o seguinte
convite: A XP Investimentos quer você de novo este ano mas quer fazer uma
painel com você, Dr. Carlos Fernando, Diogoe Robinho. Querem os 4. Alguém da XP
irá fazer perguntas. Não é show??? Vocês fariam isso, certo? Eu fiquei super
animada, acho que vai ser o melhor painel EVER! Temos que ver uma data entre 20
e 22 de setembro. Me fala o que vc acha, por favor? Pra Vc ofereceram 25.000.
Tem risco de imagem, mas CF e eu achamos que dá pra irmos, apesar do risco.
Roberson Pozzobon – 16:28:37 – Castor também achou que nao há
risco, Delta?
Dallagnol – 16:58:41 – castor respondeu: “vou ficar
rico”
Dallagnol – 16:58:54 – Achamos que há risco sim, mas
que o risco tá bem pago rs.
Dallagnol – 16:59:16 – Cara, olho o quanto apanho
publicamente. Uma a mais não vai fazer diferença rs.
Dallagnol – 16:59:21 – (pra mim)
Dallagnol – 16:59:30 – Não sendo nada errado…
Dallagnol – 17:02:41 – Ah, CF acha que tem mais risco
no caso de Vc e Júlio, que estão sentando com os bancos
Dallagnol – 17:02:58 – Podemos conversar sobre isso
depois, se quiser, mas gostaria de dar resposta, se possível, até amanhã
Pozzobon – 17:37:15 – kkkkkkk
Pozzobon – 17:37:34 – Beleza!
Pozzobon – 17:37:48 – Vamos conversar sim
Pozzobon – 17:39:09 – Não vejo diferença, pois o
procedimento é da FT
Pozzobon – 17:40:03 – Mas de fato é nessa questao dos
bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois
Pozzobon
e Dallagnol aceitaram o convite e participaram do evento ao
lado dos colegas Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos.
A
força-tarefa da Lava Jato não comentou o conteúdo da reportagem e enviou sua
resposta padrão: “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus
integrantes”, que “pautam sua conduta pela lei e pela ética”.
‘É que fiz palestra pra eles.’
Foto:
Suamy Beydoun/AGIF via AP
Ironicamente,
palestras remuneradas constituíram uma peça central no argumento da
força-tarefa, sob o comando de Dallagnol, para a quebra de sigilo fiscal e
bancário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na sua decisão autorizando
a quebra, o então juiz Sergio Moro escreveu que os valores
altos — mesmo sem indício de crime — eram suficientes para criar “dúvidas” e
justificar a investigação: “Não se pode concluir pela ilicitude dessas transferências,
mas é forçoso reconhecer que tratam-se de valores vultosos para doações e
palestras, o que, no contexto do esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas
sobre a generosidade das aludidas empresas e autoriza pelo menos o
aprofundamento das investigações.” As palestras de Lula também geraram bastante
atenção da imprensa.
O código
de ética do Ministério Público brasileiro é mais ameno do que o de muitos de
seus pares estrangeiros. O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal
Internacional, por exemplo, veda a seus membros “aceitar remuneração de
qualquer fonte externa para qualquer publicação, palestra externa ou outro ato
que esteja relacionado aos propósitos, atividades ou interesses da Corte, como
taxa de palestras, honorário ou outro abono”. O Departamento de Justiça dos EUA
também proíbe este tipo de atuação
por parte de seus procuradores e outros funcionários:
“Geralmente,
um funcionário não pode ser [financeiramente] recompensado por falas ou textos
que se relacionem com seus deveres oficiais. Um assunto se relaciona com as
funções oficiais de um funcionário se uma parte significativa trata de um tema
que foi atribuído ao empregado atualmente designado ou no último ano; qualquer
política, programa ou operação em curso ou anunciada do Departamento…”
O
Departamento de Justiça também estipula que “um funcionário é proibido de
participar de qualquer assunto em que tenha interesse financeiro”. Na sua
primeira palestra para a XP sobre “ética e Lava Jato”, Dallagnol brincou abertamente sobre o
fato de possuir ações da Petrobras e do BTG Pactual na Bolsa.
‘Se não estiver, vou fazer, como
fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não’
Essas
regulações internacionais existem não apenas para diminuir o risco de corrupção
nas entidades, mas — de igual importância — para evitar a possibilidade de
percepção de corrupção. “A percepção pública da ética dos funcionários públicos
é extremamente importante”, explica um livro didático sobre corrupção global endossado pela ONU e pela
Transparência Internacional. “Se o público acreditar, mesmo que erroneamente,
que os funcionários públicos são antiéticos, as instituições democráticas
sofrerão com a erosão da confiança pública.”
A
ombudsman do Banco Central da Europa pediu no ano passado que os líderes da
instituição parassem de participar de encontros fechados com grandes bancos
privados. Ela argumentou que a nova medida “inegavelmente ajudaria a reforçar a
confiança do público no BCE”.
Ao criar
regras rígidas, as instituições evitam situações em que seus funcionários
possam ser tentados a flexibilizar normas éticas, mesmo que violações
flagrantes não ocorram. Além disso, tentam impedir que a população enxergue
funcionários públicos como pessoas de valores “flexíveis”, a depender do
pagamento.
Em alguns
casos, Dallagnol e sua equipe claramente se mostraram cientes de potenciais
armadilhas éticas em trabalhos remunerados por terceiros e tentaram evitar
aceitar dinheiro de entidades que estavam sob investigação da Lava Jato.
26 de março de 2019 – Chat Incendiários
ROJ
Deltan Dallagnol – 01:10:37 – Caros, imagino que não esteja no
radar pq nca ouvi falar, mas melhor garantir. O Banco Pan está no radar pra
algo? Eles entraram em contato com a Fernanda da Star pedindo palestra pra
semana de compliance deles
Dallagnol – 01:11:30 – Se não estiver, vou fazer, como
fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não
Júlio Noronha – 05:29:04 – Não está no radar. Mande ver
Mas o
conceito de “influência” pode ser mais difuso. Em novembro de 2017, um assessor
de comunicação de Dallagnol avisou que havia chegado “um pedido da Federação
Nacional dos Combustíveis para fazer uma entrevista”, mas acrescentou que a
publicação era pequena: “Não tem repercussão, seria mais para “ganhar ? ?
pontos com o pessoal do setor, se interessar.” Dallagnol respondeu: “to na
dúvida se vale a pena falar algo”, e continuou: “É que fiz palestra pra eles.
Eles mandaram uma lista enorme de perguntas. Pedi pra mandarem 3 ou 4 que
respondo rs”. A entrevista, aparentemente, não aconteceu.
Após a
palestra secreta na XP Investimentos, seu contato com a empresa, Débora Santos,
enviou uma série de perguntas em off para Dallagnol, aproveitando o
relacionamento estreitado no encontro. “Olá, Deltan. Uma ajuda. Em off total,
como vc avalia a decisão do Supremo de proibir as conduções coercitivas?”,
perguntou Santos em 14 de junho de 2018. Deltan respondeu, cauteloso: “postei no
tt de madrugada até… atacando pilares da LJ… como Fachin colocou, esse papo de
garantias individuais é um discurso pra proteger oligarquias.
Coisa de
capitalismo de compadrio”. Em fevereiro de 2019, a contratante fez uma outra
pergunta no Telegram: “Oi Deltan. Tudo bom. Em off, quais as impressões de vcs
sobre o novo juiz da LJ? Pode embarreirar os trabalhos? Vcs já se conheciam?” A
XP parecia querer cobrar a conta, buscando acesso privilegiado junto ao
procurador. Dallagnol, desta vez, não respondeu.
No mesmo
documento em que anotara, anos atrás, os valores de palestras cobrados por
figurões da República, Dallagnol mapeou os “próximos passos” de sua carreira de
palestrante e escreveu uma nota para si mesmo. Ele registrou: “Acho que onde eu
posso agregar hoje é treinamento em setor de compliance e eventualmente ética
empresarial, mas precisaria estudar mais ética… complicado.” O estudo não teria
feito mal.
O procurador
Deltan Dallagnol foi o destaque de um evento secreto com representantes dos
bancos e investidores mais influentes do Brasil e do exterior. O encontro foi
organizado pela XP Investimentos em junho de 2018. A representante da XP que
contactou o coordenador da força-tarefa da Lava Jato prometeu que o bate-papo
seria “privado, com compromisso de confidencialidade”, e destacou que já havia
feito um evento parecido com o ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma
nota na imprensa”, garantiu.
Dallagnol
aceitou e pediu que a XP conversasse com a agência que organiza os eventos
pagos do procurador, a Star Palestras, que acabou coordenando a contratação. O Intercept
já revelou, com base nos chats secretos da Lava Jato, que Deltan Dallagnol
disse ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em
2018. Entre as empresas que pagaram pela presença do procurador, está uma investigada pela própria Lava
Jato. No caso da XP, não está claro se a ida do procurador foi
remunerada.
Dallagnol
e seus colegas discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao
se sentarem com banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena. “Achamos
que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um
chat privado com seu colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em
fevereiro de 2018. Pozzobon pediu um tempo: “Mas de fato é nessa questao dos
bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois”.
Reuniões
secretas com banqueiros já provocaram polêmicas com vários políticos e
funcionários públicos em outros países. Nos EUA, por exemplo, a recusa de Hillary Clinton
em publicar transcrições de seus discursos remunerados
para bancos de investimento de Wall Street — e o timing de doações feitas a sua
fundação filantrópica — se tornou uma linha de ataque forte e recorrente contra
sua campanha fracassada pela presidência
em 2016. Eventualmente, algumas das transcrições foram vazadas e publicadas
pelo WikiLeaks. A prática de palestras remuneradas é vedada por entidades como
o Departamento de Justiça dos EUA e o Tribunal Penal Internacional.
Os
detalhes sobre o evento com Dallagnol, realizado no dia 13 de junho de 2018 no
escritório da XP, em São Paulo, são relatados em conversas privadas que fazem
parte do pacote de mensagens que começamos a revelar no último dia 9 de junho.
O material reúne conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários
grupos do aplicativo Telegram desde 2014.
O Intercept,
junto com a Folha de S.Paulo, revelou este mês um plano
de Dallagnol para lucrar com palestras junto com Roberson Pozzobon, contando
com a ajuda de suas esposas. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar,
ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, falou
Dallagnol em um chat com sua esposa.
‘Não saiu nenhuma nota na imprensa’
Deltan
Dallagnol e Roberson Pozzobon em audiência pública na Assembleia Legislativa do
Paraná em 24 de outubro de 2016.
Foto:
Pedro de Oliveira/Alep
O convite
da XP Investimentos chegou a
Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de
política e Judiciário” da empresa. No começo da conversa, ela diz que é esposa
de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo
Janot quando Procurador-Geral da República. Antes de trabalhar na XP, Santos
era assessora particular do
Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.
“Queria
te convidar para um bate papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui
em SP”, escreveu Santos. Dallagnol explicou que já tinha um evento agendado com
a XP e pediu para Santos entrar em contato com sua secretária, mas mostrou mais
interesse após a consultora explicar a natureza do evento. “Seria um público
mais seleto. CEOs e tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e
internacionais”, ela detalhou. “Me passa uma lista de quem são?”, pediu
Dallagnol.
17 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 18:04:57 – JP Morgan Morgan Stanley
Barclays Nomura Goldman Sachs Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank
Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street
Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú
Bradesco Verde Santander
Santos – 18:06:17 – Esses seriam os convidados. Nem
todos comparecem.
Santos – 18:06:36 – Você deve estar agendado para o
Expert, uma conferência grande que realizamos em setembro.
Santos – 18:07:42 – Esse bate-papo é privado, com
compromisso de confidencialidade, onde o convidado fica à vontade para fazer
análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado.
Santos – 18:08:17 – Semana passada recebemos o
presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na
imprensa.
Santos – 18:09:25 – Nem sobre a presença dele na XP.
Santos – 18:09:43 – Assim, já aconteceu com vários
personagens importantes do cenário nacional, como você.
XP e
Dallagnol não confirmaram os participantes do evento para o Intercept,
mas na lista de convidados havia bancos que já foram investigados pela
Lava Jato. Depois da explicação do evento, os dois discutiram a logística e a
data:
17 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:06:04 – Mas me esclarece melhor: Vcs têm
encontros regulares sem data definida? Ou querem fazer um encontro específico
com alguma pauta? O ideal seria eu participar de um encontro que já exista…
18 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 10:33:53 – Fazemos econtros regulares com
atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade.
Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso
estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com
os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.
Santos – 10:34:49 – Além de integrantes do
Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças políticas e
cientistas políticos.
Santos – 10:35:33 – A reunião com vc se coloca nesse
contexto do ciclo de debates sobre eleições, lava jato e conjuntura política em
2018.
Santos – 11:24:14 – A principal diferença entre a
conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião privada é o tipo de
público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo que compreende o
cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já está nos jornais. O
público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se aprofunda em conceitos
de debates.
O
ministro Fux não respondeu ao Intercept. Já os ministros Barroso e Moraes
negaram ter participado em eventos do tipo.
Quatro
dias depois, Dallagnol perguntou sobre um possível cachê.
22 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:08:33 – Débora, a ida dos Ministros é
remunerada como palestra?
Dallagnol – 23:09:01 – Os encontros são convocados
então tendo em vista um convidado específico, certo?
Débora Santos – 23:42:49 – Sim, fazem parte de um projeto
que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são convocadas rodadas para
cada convidado
Santos – 23:44:40 – Temos como hábito respeitar a
privacidade dos nossos convidados
Dallagnol – 23:55:23 – Opa entendo perfeitamente.
Dallagnol – 23:55:44 – Debora vou pedir para a SUPRIMIDO que me ajuda com essas palestras
para falar com Vc.
23 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 00:01:15 – Tudo bem.
Àquela
altura, o procurador já sabia muito bem seu valor no mercado de palestras. Em
várias conversas anteriores, Dallagnol discutiu a remuneração de outras figuras
públicas – ele queria estabelecer seu próprio preço. Em um documento intitulado
“Projeto palestras.docx”, criado em dezembro de 2015 e editado pela última vez
em fevereiro de 2016, Dallagnol anotou três conversas relevantes:
Sobre as
palestras pagas:
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.
A XP se
recusou a confirmar a existência do evento secreto ou de pagamentos a Dallagnol
por sua participação. A Star Palestras, que agencia os eventos do procurador,
respondeu que os dados sobre clientes são privados e “por isso não fornecemos
informações”.
Ainda afirmou que “se conduz em sua atividade segundo a lei e a
ética”.
Mas é
certo que o evento secreto aconteceu. Com a aprovação da XP, Dallagnol levou um
integrante da Transparência Internacional. A organização, que se descreve como
“dedicada à luta contra a corrupção”, juntou-se aos procuradores da
força-tarefa para criar as “Novas Medidas contra a Corrupção”, e confirmou que
Guilherme Donega, consultor do Programa de Integridade em Mercados Emergentes,
esteve presente e falou sobre a iniciativa.
Perguntado
sobre o conflito ético de reuniões privadas de procuradores – possivelmente
remuneradas – com bancos, a Transparência Internacional respondeu que “devem
ser evitadas atividades de qualquer tipo – mesmo as privadas – que possam
comprometer a integridade, equidade e imparcialidade necessárias à função que
exercem”. “Em caso de dúvida, recomenda-se que esta seja levada a um órgão
competente para um parecer prévio”, acrescentou a entidade, que informou ainda
que Donega não foi remunerado por sua participação.
‘Lula não pode dar palestra, procurador que ganha
super salário pode. . .’
GIF:
Reprodução/YouTube
Um ano
antes do encontro secreto com grandes investidores, Dallagnol já tinha dado uma
palestra numa conferência da XP Investimentos. Ele recebeu R$ 33.250. O evento
aconteceu quando as palestras do procurador já eram foco de muito escrutínio da
imprensa e do próprio Ministério Público.
A
preocupação, à época, era tanta que um assessor sugeriu que seria uma boa ideia
barrar a imprensa dos eventos em São Paulo e no Rio:
15 de junho de 2017 – Chat privado
Assessor 1 – 00:21:06 – na verdade, não sei se é uma boa
ideia a imprensa cobrir estas palestras em SP ou no Rio. acho que vale a pena
qdo é em cidades cuja imprensa não costuma ter acesso a vcs. mas em SP e Rio o
risco de uma cobertura mais “crítica” é maior.
Assessor 1 – 00:21:24 – não achei ruim, mas não foi tão
positivo assim.
Deltan Dallagnol – 00:21:25 – pois é, a ideia era não ter
Dallagnol – 00:21:32 – acho que eles se infiltraram
Dallagnol – 00:21:49 – alguém até perguntou: como
conseguiram credenciais?
Dallagnol – 00:21:59 – na XP, na próxima semana, deve
ter o mesmo problema
Assessor 1 – 00:22:12 – uai… Assessor 2 disse que a
imprensa ia cobrir, entendi que tinha sido combinado com a assessoria do
evento.
Assessor 1 – 00:24:19 – a assessoria deles pode barrar,
se quiser. mas eles capitalizam os eventos com vc, então é difícil. um
congresso como o de hj não teria espaço na Folha, no Globo e no Valor se vc não
tivesse participado.
Dias
depois, a corregedoria do Ministério Público abriu uma investigação após
a imprensa descobrir que uma agência
estava pedindo até R$ 40 mil por palestras do procurador. Ele afirmou que recebeu R$ 219 mil por
eventos no ano anterior. A Associação Nacional de Procuradores da República
soltou uma nota em defesa de Dallagnol.
O que não
se sabia, até agora, e que os chats da Vaza Jato revelam, é que o próprio
Dallagnol editou e aprovou a nota em apoio a si mesmo antes da publicação. O
procurador debateu o texto em conversas privadas com a procuradora e diretora
cultural da ANPR, Lívia Tinoco. Além de mandar a nota para aprovação de Deltan,
Tinoco repassou informações de bastidores para o procurador, antecipando o
resultado da investigação contra ele: “não vai dar em nada”.
23 de junho de 2017 – Chat privado
Lívia Tinoco – 15:56:21 – Deltan
Tinoco – 15:56:43 – Ja recebeu a nota da ANPR sobre
a questão das palestras remuneradas ?
Tinoco – 15:56:51 – Aprova aí pra gente soltar
Tinoco – 15:57:40 – Peço sigilo a vc, mas a ANPR
conversou com Hindemburgoque concorda não haver qualquer problema com as
palestras remuneradas
Deltan Dallagnol – 15:57:51 – NÃO VI
Tinoco – 15:57:56 – Com certeza a coisa vai bater na
corregedoria do MPF
Dallagnol – 15:57:58 – ótimo, boa notícia
Dallagnol – 15:58:05 – CNMP mandou pra corregedoria
Tinoco – 15:58:05 – E não vai dar em nada
Tinoco – 15:58:09 – Ele vai arquivar
Tinoco – 15:58:19 – Por favor, não comente isso
Dallagnol – 15:58:26 – claro, obrigado
Tinoco – 15:58:27 – Só para te tranquilizar
Dallagnol – 15:58:32 – obrigado Livia
Tinoco – 15:58:33 – Vou mandar a nota agora
Tinoco – 15:58:36 – Espere aí
Tinoco
estava certa: a investigação sobre a comercialização das palestras de Dallagnol
foi arquivada menos de dois
meses depois.
A ANPR e
a corregedoria não comentaram esta reportagem.
XP, a cliente fiel. ‘Não é show???’
À época,
Dallagnol passou várias horas conversando com seus assessores de comunicação
para tentar conter os danos públicos à sua reputação causados pelas palestras.
Ele queria criar uma estratégia para responder aos jornalistas, mas parecia não
entender exatamente os riscos da decisão.
Os
assessores conseguiram convencê-lo a não responder aos críticos nas redes. O
procurador queria postar uma mensagem em que deixava claro que fazia “o que
quiser com o dinheiro das minhas palestras”. Indignado com o que chamou de
“acusações absurdas”, Dallagnol desafiava os políticos críticos a ele a mostrar
que doavam “para a sociedade seu dinheiro”, como ele afirmava fazer, em vez de
“drenar recursos públicos”. Terminou: “Então, podemos começar a conversar”.
20 de junho de 2017 – Chat
DD-Assessor2-Assessor1
Deltan Dallagnol – 12:33:07 – Mas por que a polêmica sobre
isso é ruim?
Dallagnol – 12:33:26 – Vai reforçar coisa boa
Assessor 1 – 12:34:20 – não vai, esse é que é o
problema. o que chama a atenção é o negativo, não o positivo.
Assessor 1 – 12:34:56 – Lula não pode dar palestra,
procurador que ganha super salário pode…
Assessor 1 – 12:35:32 – procurador fatura e ainda tenta
posar de bom moço…
Em nenhum
momento nos chats Dallagnol cogitou parar de receber para palestrar. Apesar das
críticas, da investigação na corregedoria, das matérias jornalísticas e do
risco à sua reputação relatado pela assessoria, Dallagnol e seus colegas
continuavam empolgados com a perspectiva de novas palestras remuneradas. Em
fevereiro de 2018, – depois da palestra pública na XP e antes do encontro
secreto com os bancos – o procurador relatou a Roberson Pozzobon um novo
convite da XP e pareceu se importar pouco com as considerações éticas e as
consequências para sua imagem.
8 de fevereiro de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 15:51:25 – Robito, recebemos o seguinte
convite: A XP Investimentos quer você de novo este ano mas quer fazer uma
painel com você, Dr. Carlos Fernando, Diogoe Robinho. Querem os 4. Alguém da XP
irá fazer perguntas. Não é show??? Vocês fariam isso, certo? Eu fiquei super
animada, acho que vai ser o melhor painel EVER! Temos que ver uma data entre 20
e 22 de setembro. Me fala o que vc acha, por favor? Pra Vc ofereceram 25.000.
Tem risco de imagem, mas CF e eu achamos que dá pra irmos, apesar do risco.
Roberson Pozzobon – 16:28:37 – Castor também achou que nao há
risco, Delta?
Dallagnol – 16:58:41 – castor respondeu: “vou ficar
rico”
Dallagnol – 16:58:54 – Achamos que há risco sim, mas
que o risco tá bem pago rs.
Dallagnol – 16:59:16 – Cara, olho o quanto apanho
publicamente. Uma a mais não vai fazer diferença rs.
Dallagnol – 16:59:21 – (pra mim)
Dallagnol – 16:59:30 – Não sendo nada errado…
Dallagnol – 17:02:41 – Ah, CF acha que tem mais risco
no caso de Vc e Júlio, que estão sentando com os bancos
Dallagnol – 17:02:58 – Podemos conversar sobre isso
depois, se quiser, mas gostaria de dar resposta, se possível, até amanhã
Pozzobon – 17:37:15 – kkkkkkk
Pozzobon – 17:37:34 – Beleza!
Pozzobon – 17:37:48 – Vamos conversar sim
Pozzobon – 17:39:09 – Não vejo diferença, pois o
procedimento é da FT
Pozzobon – 17:40:03 – Mas de fato é nessa questao dos
bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois
Pozzobon
e Dallagnol aceitaram o convite e participaram do evento ao
lado dos colegas Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos.
A
força-tarefa da Lava Jato não comentou o conteúdo da reportagem e enviou sua
resposta padrão: “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus
integrantes”, que “pautam sua conduta pela lei e pela ética”.
‘É que fiz palestra pra eles.’
Ironicamente,
palestras remuneradas constituíram uma peça central no argumento da
força-tarefa, sob o comando de Dallagnol, para a quebra de sigilo fiscal e
bancário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na sua decisão autorizando
a quebra, o então juiz Sergio Moro escreveu que os valores
altos — mesmo sem indício de crime — eram suficientes para criar “dúvidas” e
justificar a investigação: “Não se pode concluir pela ilicitude dessas transferências,
mas é forçoso reconhecer que tratam-se de valores vultosos para doações e
palestras, o que, no contexto do esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas
sobre a generosidade das aludidas empresas e autoriza pelo menos o
aprofundamento das investigações.” As palestras de Lula também geraram bastante
atenção da imprensa.
O código
de ética do Ministério Público brasileiro é mais ameno do que o de muitos de
seus pares estrangeiros. O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal
Internacional, por exemplo, veda a seus membros “aceitar remuneração de
qualquer fonte externa para qualquer publicação, palestra externa ou outro ato
que esteja relacionado aos propósitos, atividades ou interesses da Corte, como
taxa de palestras, honorário ou outro abono”. O Departamento de Justiça dos EUA
também proíbe este tipo de atuação
por parte de seus procuradores e outros funcionários:
“Geralmente,
um funcionário não pode ser [financeiramente] recompensado por falas ou textos
que se relacionem com seus deveres oficiais. Um assunto se relaciona com as
funções oficiais de um funcionário se uma parte significativa trata de um tema
que foi atribuído ao empregado atualmente designado ou no último ano; qualquer
política, programa ou operação em curso ou anunciada do Departamento…”
O
Departamento de Justiça também estipula que “um funcionário é proibido de
participar de qualquer assunto em que tenha interesse financeiro”. Na sua
primeira palestra para a XP sobre “ética e Lava Jato”, Dallagnol brincou abertamente sobre o
fato de possuir ações da Petrobras e do BTG Pactual na Bolsa.
‘Se não estiver, vou fazer, como
fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não’
Essas
regulações internacionais existem não apenas para diminuir o risco de corrupção
nas entidades, mas — de igual importância — para evitar a possibilidade de
percepção de corrupção. “A percepção pública da ética dos funcionários públicos
é extremamente importante”, explica um livro didático sobre corrupção global endossado pela ONU e pela
Transparência Internacional. “Se o público acreditar, mesmo que erroneamente,
que os funcionários públicos são antiéticos, as instituições democráticas
sofrerão com a erosão da confiança pública.”
A
ombudsman do Banco Central da Europa pediu no ano passado que os líderes da
instituição parassem de participar de encontros fechados com grandes bancos
privados. Ela argumentou que a nova medida “inegavelmente ajudaria a reforçar a
confiança do público no BCE”.
Ao criar
regras rígidas, as instituições evitam situações em que seus funcionários
possam ser tentados a flexibilizar normas éticas, mesmo que violações
flagrantes não ocorram. Além disso, tentam impedir que a população enxergue
funcionários públicos como pessoas de valores “flexíveis”, a depender do
pagamento.
Em alguns
casos, Dallagnol e sua equipe claramente se mostraram cientes de potenciais
armadilhas éticas em trabalhos remunerados por terceiros e tentaram evitar
aceitar dinheiro de entidades que estavam sob investigação da Lava Jato.
26 de março de 2019 – Chat Incendiários
ROJ
Deltan Dallagnol – 01:10:37 – Caros, imagino que não esteja no
radar pq nca ouvi falar, mas melhor garantir. O Banco Pan está no radar pra
algo? Eles entraram em contato com a Fernanda da Star pedindo palestra pra
semana de compliance deles
Dallagnol – 01:11:30 – Se não estiver, vou fazer, como
fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não
Júlio Noronha – 05:29:04 – Não está no radar.
Mande ver
Mas o
conceito de “influência” pode ser mais difuso. Em novembro de 2017, um assessor
de comunicação de Dallagnol avisou que havia chegado “um pedido da Federação
Nacional dos Combustíveis para fazer uma entrevista”, mas acrescentou que a
publicação era pequena: “Não tem repercussão, seria mais para “ganhar ? ?
pontos com o pessoal do setor, se interessar.” Dallagnol respondeu: “to na
dúvida se vale a pena falar algo”, e continuou: “É que fiz palestra pra eles.
Eles mandaram uma lista enorme de perguntas. Pedi pra mandarem 3 ou 4 que
respondo rs”. A entrevista, aparentemente, não aconteceu.
Após a
palestra secreta na XP Investimentos, seu contato com a empresa, Débora Santos,
enviou uma série de perguntas em off para Dallagnol, aproveitando o
relacionamento estreitado no encontro. “Olá, Deltan. Uma ajuda. Em off total,
como vc avalia a decisão do Supremo de proibir as conduções coercitivas?”,
perguntou Santos em 14 de junho de 2018. Deltan respondeu, cauteloso: “postei no
tt de madrugada até… atacando pilares da LJ… como Fachin colocou, esse papo de
garantias individuais é um discurso pra proteger oligarquias. Coisa de
capitalismo de compadrio”. Em fevereiro de 2019, a contratante fez uma outra
pergunta no Telegram: “Oi Deltan. Tudo bom. Em off, quais as impressões de vcs
sobre o novo juiz da LJ? Pode embarreirar os trabalhos? Vcs já se conheciam?” A
XP parecia querer cobrar a conta, buscando acesso privilegiado junto ao
procurador. Dallagnol, desta vez, não respondeu.
No mesmo
documento em que anotara, anos atrás, os valores de palestras cobrados por
figurões da República, Dallagnol mapeou os “próximos passos” de sua carreira de
palestrante e escreveu uma nota para si mesmo. Ele registrou: “Acho que onde eu
posso agregar hoje é treinamento em setor de compliance e eventualmente ética
empresarial, mas precisaria estudar mais ética… complicado.” O estudo não teria
feito mal.