Ex-diretor de Gás e
Energia da Petrobras no governo Lula, o engenheiro Ildo Sauer,
vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, não tem papas na
língua. Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, critica a venda de ativos da
estatal com o objetivo de reduzir seu endividamento e acusa:
“Estão
privatizando a Petrobras e ninguém vê”. Sauer não poupa os erros da
gestão Dilma, e diz ser embuste da mídia a versão de que a estatal não
tem capacidade de investir por estar endividada. “Com garantia do
petróleo, os chineses financiariam”. E condena “o putrefato governo
Temer” pela abertura de 70% do óleo do pré-sal que a própria Petrobras
descobriu”.
O que o Sr. pensa do plano de negócios da Petrobras que foca a venda de ativos?
Não
está à altura do Brasil, nem da Petrobras. Há um enorme equívoco na
forma como o atual governo e os gestores tratam a empresa, como se fosse
um negócio convencional, subordinado às regras do sistema financeiro do
eixo Nova Iorque-Londres. A Petrobras deveria estar fora disso. Muitos
analistas celebraram as intervenções iniciadas pelo (Aldemir) Bendine no
governo (Dilma) Rousseff e replicada com absoluta ortodoxia sob Temer.
Essas pessoas entendem que o único papel da empresa é gerar dividendos e
prestar contas sob ótica míope que só olha o curto prazo. É evidente
que a Petrobras passou, especialmente de 2011 para cá, por processo de
má gestão, de ausência de visão estratégica e de instrumentalizacão
política.
Houve os episódios criminosos que todos conhecemos, mas que
também aconteciam antes. Mas a resposta dada agora em função da má
gestão nos projetos de refinaria é absolutamente escandalosa. Em momento
de crise, em vez de buscarem a solução no aprofundamento da estratégia
de negócio chamaram o “contador”.
Primeiro veio o Bendine, que ainda se
revelou um corrupto. Com ele veio o Ivan Monteiro, que montou toda essa
estratégia, foi mantido pelo Parente e hoje é o presidente. O Ivan
Monteiro é o continuador dessa estratégia que pode ser o início do fim
da Petrobras.
As soluções que deram foram as piores possíveis: vender
ativos como campos de petróleo, além de refinarias e gasodutos
construídos a preços elevados em momento de baixa do petróleo e alta do
aço. Vender gasodutos para a Brookfield e depois pagar valores de
pedágio que, em dois ou três anos, se equiparam ao montante recebido, é
absolutamente equivocado. Uma empresa que tem controle potencial da
produção de 100 bilhões de barris, não deveria se submeter aos ditames
da ortodoxia financeira.
Deveria buscar parceiros como a China e a Índia
para garantir créditos e aumentar a capacidade de produção. Não era o
caso de amputar, mas sim de empreender.
É um processo de privatização velado?
Há
uma privatização explícita da Petrobras e ninguém vê, porque é tudo
mistificado. Se privatiza três mil quilômetros de gasodutos e as pessoas
não sabem. Entregaram o campo de Carcará, por menos de US$ 2 o barril,
quando a Petrobras pagou entre US$ 8/11 à União pelo óleo que ela mesmo
descobriu. A população é contra a privatização, mas estão privatizando.
Dizem que estão repassando ativos para tapar o buraco deixado pela má
gestão anterior. Este é o discurso. mas é tudo mistificação. Também usam
os escândalos para legitimar a ortodoxia financeira como a única capaz
de salvar a empresa e destruir valor da população brasileira. É um
modelo de negócio errado. No futuro, aparecerão as verdadeiras razões,
hoje impublicáveis.
O Sr. tem opinião formada sobre o imbroglio da cessão onerosa?
Se
tivessem me ouvido à época, não teria havido nem cessão onerosa e nem
partilha. Por mim, quando estes campos foram descobertos, o governo
teria contratado a Petrobras para produzir o petróleo a preços que
compensassem todos os custos de produção e gerassem uma margem excelente
de retorno para mantê-la como a empresa mais capacitada em termos
tecnológicos do mundo.
Mas, em uma operação para aumentar a participação
acionária do governo, criaram a lei e cederam à Petrobras todo o volume
do petróleo estimado por meio de um contrato que guardava gatilhos de
correção dos valores para cima ou pra baixo, a depender do preço do
petróleo no mercado internacional.
Esse contrato foi assinado e a
Petrobras, como empresa de capital aberto, tem de fazer valer o
contrato. Se confirmada a correção, o contrato deve ser cumprido. No
fim, é verdade, a União perde. Quem ganha são os 42% de acionistas
privados, dos quais 30% estão em NY. Mas foi um problema criado lá
atrás, na concepção do modelo.
Corre no Congresso Projeto de
Lei que libera a venda de 70% da cessão onerosa ao setor privado sob o
argumento de que a Petrobras não tem capacidade de investir sozinha.
Concorda?
Este é o maior embuste já criado pela mídia. Em
quase todo o pré-sal, o operador é a Petrobras, que tem a
responsabilidade de dirigir a exploração (pesquisa), coordenar a
contratação das plataformas e toda a operação. Cabe às outras
petroleiras dos consórcios acompanhar e dizer sim. Qual é o papel delas?
A Petrobras informa o cronograma e coordena os investimentos. Se alguém
não cumprir, outro assume ou a cota é vendida. E de onde sai o
dinheiro? O dinheiro não está no caixa dessas empresas. É no sistema
financeiro onde buscam o dinheiro. Elas dão em garantia a existência do
petróleo e pegam o dinheiro, ficando com parte da receita.
Detendo o
ativo maior, qualquer um faz. A Petrobras não teria de captar dinheiro
no mercado. Tem muita gente pra fazê-lo. Nos anos 1990, o sistema
financeiro não queria financiar a Petrobras.
O Banco do Japão fez isso
até 2002 em troca da preferência de compra do petróleo. Hoje, os
chineses estão ávidos por isso. Dinheiro não falta. É complicado quando
há alto grau de risco, mas ele é baixo porque estão assegurados o
petróleo do pré-sal, a capacidade tecnológica e a demanda pela produção.
Quadro
histórico do PT, o senhor é critico ferrenho da política energética da
direita, mas também de Lula e Dilma. Já tem voto definido para outubro?
Não.
Ia votar em mim mesmo, fui cotado para ser candidato do PPL, mas
desisti para atuar como analista na academia, fazer proposições ao
debate, que é o mais importante agora.
Há conversas com o ex-presidente Lula?
Não.
Junto com o (Luís) Pinguelli Rosa, pensei o programa para área de
energia do governo do PT, que depois foi jogado no lixo para fazerem
essa lambança toda aí.
Então não vejo o porquê de alguém que já teve a
chance de construir uma vez precisar voltar. Se o Lula me procurar, eu
falo com ele, mas não vou atrás. Acho que o mundo gira para frente.
Falar isso me dói muito. Desde a adolescência, quando o PT foi criado,
estive junto.
Fui massacrado dentro do partido, expulso da Petrobras e
fizeram o que fizeram depois que saí de lá. Tenho consciência dos graves
erros que aconteceram, mas também acho que quanto mais a gente pisar
nas feridas, pior é a saída para o futuro.
Nesse momento, é hora de
aglutinar em torno de um programa capaz de nos afastar desses criminosos
que estão no poder, desse governo putrefato, rejeitado por mais de 90%
da população.