Eleição na Holanda não alterou quadro político, mas enfraqueceu a UE; governos de França, Espanha se desgastam
Regresso de uma estada na Grécia, mais para repouso do que para agitos.
Este relatório virá a seguir. Antes dele, porém, preciso falar da ampla
Europa. Na semana passada ela se agitou para todo lado. Mas como Minas
na famosa frase de Otto Lara Resende sobre a posição do governo de
Magalhães Pinto na crise de 1961 (renúncia de Jânio e tentativa de golpe
contra Goulart, com a Rede da Legalidade a seguir), ela permanece onde
sempre esteve: na crise, em crise, pela crise. Sem rota alternativa à
vista.
Na eleição de 12 de setembro, na Holanda, esperava-se um pequeno
terremoto, com a possível ascensão do SP (Partido Socialista,
ex-Comunista), de esquerda, ao posto de mais votado. Chegou a ter de 30 a
31 cadeiras previstas, segundo institutos de pesquisa e várias mídias
internacionais. Resultado: ficou nas 15 que já tinha antes.
Na outra ponta do espectro, o Partido da Liberdade, de Geert Wilders,
hoje o líder de extrema-direita mais influente na Europa, caiu mais do
que se esperava. Elegeu 24 cadeiras em 2010. Estimava-se que teria 18.
Ficou com 15, empatado com o SP.
Outros partidos, ainda entre os sete mais votados, também oscilaram. A
CDA (Aliança Democrata-Cristã), de centro-direita, caiu de 21 para 13
assentos. Já o centro-centro Democratas 66 (estou citando classificações
da mídia européia média) ganhou dois assentos, de 10 para 12.
A situação dos dois mais fortes, o Liberal e o Trabalhista, merece
consideração, e é reveladora do que pode ter acontecido. O primeiro
obteve a marca inédita de 41 assentos, 10 a mais do que tinha. O
segundo, cresceu oito, de 30 para 38. Não é preciso ser gênio matemático
para ver entre as dez cadeiras que o Liberal (de direita) conquistou,
as nove que o de Wilders perdeu. Confirma essa idéia o fato de que a
campanha dos liberais aproximou-se de algumas das bandeiras da
extrema-direita (sem a islamofobia), erguendo-se contra mais poderes de
Bruxelas (ou seja, a União Europeia). E também pode-se ver nas oito que o
Trabalhista ganhou várias das que o SP poderia ter ganho, retornando ao
aprisco os votos que se desgarravam, talvez devido ao súbito
crescimento dos liberais na reta final.
Ficou tudo mais ou menos na mesma, embora possa-se ler nessa dança das
expectativas e das votações um leve crescimento de uma tendência
anti-União Europeia, ao contrário do que a maior parte da mídia
apregoou, de que esta (a UE) teria sido a grande vencedora do pleito.
Nesse mesmo dia novas ondas de adrenalina esperavam a decisão da
Suprema Corte alemã, com sede em Karlsruhe, sobre a constitucionalidade
da participação germânica no Fundo de Estabilidade Monetária europeu.
Deu o esperado: o Tribunal aprovou a constitucionalidade, contra as
moções opostas (em geral vindas da direita). Nova onda de otimismo se
derramou na mídia, falando da “salvação do euro”. Salvação? Moderada,
porque junto a Suprema Corte definiu que qualquer aporte complementar
por parte do governo alemão terá de ser aprovado no Bundestag
(Parlamento), onde a oposição a isso é forte – e dentro dos partidos do
governo, mais do que entre os oposicionistas SPD (Social-Demcoratas) e
Verdes. Tudo como dantes do quartel do Abrantes.
Alguns milhares de quilômetros a oeste as massas se agitavam contra os
planos austero-autoritários de Rajoy. Cresciam na Espanha as
manifestações de rua pedindo um referendo sobre tais planos. Mas seriam
só as massas esquerdistas? De jeito nenhum.
Em Barcelona, na Catalunha, se realizavam também gigantescas
manifestações contra os planos de Rajoy – mas a favor da independência
catalã. Essas manifestações reuniam direita e esquerda. À direita,
reivindicava-se que os impostos pagos na Catalunha, que é a região mais
rica do país, deixassem de acorrer para outras províncias. À esquerda,
que a brava região deixasse de se curvar perante os planos recessivos e
autoritários do governo de Madri.
Enquanto isso, as preocupações de Rajoy estão mais voltadas para o
exterior, embora tenha de se concentrar em evitar grandes terremotos na
frente interna. Ele dispõe de cômoda maioria no Parlamento, e, em
princípio, não tem com o que se preocupar até 2015, data das novas
eleições nacionais. Já na frente externa, Rajoy está entre a cruz (a
Democrata-Cristã Angela Merkel) e o caldeirão (o BCE, Banco Central
Europeu, dirigido por Mario Draghi).
Aquela se mostra pouco inclinada a facilitar a vida dos governos
falimentares, como o de Madri. Este se mostra disposto a comprar-lhe os
títulos a juros mais baixos – desde que peçam tal, abdicando em
conseqüência de um tanto de sua soberania, como já aconteceu com a
Grécia. E Rajoy, estima-se, precisa ainda de uns cem bilhões de euros
para equilibrar-se e continuar a restringir os direitos dos
trabalhadores espanhóis. Um passo errado ou mesmo tardio nessa frente
bilionária pode vir a ser o terremoto que o derrube.
Um pouco ao lado, o presidente François Hollande está enrolado na
questão da Peugeot, tipo se fechar o bicho pega, com a perda de milhares
de empregos, se correr o bicho come, com alguns milhões a serem
comprometidos numa ajuda à empresa em más condições. Até aqui Hollande
tem ficado (sem saída) na tangente, falando em “minimizar” as perdas. É
uma situação de desgaste.
Cruzando-se novamente o Reno, em direção a Berlim, em algum canto
recôndito da capital alemã deve estar rolando uma queda de braço muito
pesada, entre a chanceler Angela Merkel e o Ministro das Finanças
Wolfgang Schäuble, de um lado, e Jens Weidmann e o Banco Central Alemão,
do outro. Weidmann foi o único voto contrário à proposta de Draghi no
Conselho do BCE em favor da compra dos títulos dos países falimentares
por juros mais baixos dos que os do mercado. E a chanceler apoiou, é
verdade que a posteriori, o plano de Draghi, vinculando-o à proposta de
“austeridade”.
Nunca, até hoje, houvera tal desavença, ou desajuste, entre a chanceler
e Weidmann. Este poderia ser, no futuro, um forte candidato mais
conservador e ortodoxo à sucessão de Draghi. Agora é um candidato algo
enfraquecido a permanecer no seu posto, porque ninguém enfrenta a
chanceler e sai sem algum chamusco ou tosquia. Com todo o respeito, essa
sim é uma briga de cachorro grande.
Mas que também mostra que a Europa hegemônica continua onde sempre
esteve: entre as garras da austeridade recessiva, sem imaginação
alternativa.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.