18 de Agosto de 2019, 2h00
Ilustração:
João Brizzi e Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Foto: Agência Brasil
Parte 16
Procuradores
realizavam consultas "informais" para saber até se seguranças de Lula
compraram geladeira e fogão para o sítio de Atibaia.
Além de incentivar secretamente investigações
de ministros do Supremo Tribunal Federal, colaborar de forma proibida
com então juiz Sergio Moro, usar partido político e grupos da sociedade civil
como lobistas para emplacar suas pautas políticas, tramar o vazamento de uma
delação para interferir na política de outro país e se encontrar secretamente com
banqueiros em pleno ano eleitoral, os procuradores da operação Lava
Jato também usaram o Telegram para obter informalmente dados sigilosos da
Receita Federal – ou seja, sem nenhum controle da Justiça.
O
coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e seus colegas em Curitiba
recorreram em diversas ocasiões a um informante graduado dentro da Receita para
levantar o sigilo fiscal de cidadãos sem que a Justiça tivesse autorizado a
quebra. As investigações clandestinas são reveladas agora pelo Intercept
em parceria com a Folha de S.Paulo, graças ao arquivo da Vaza Jato.
Para
obter os dados sigilosos, os procuradores recorreram ao auditor fiscal Roberto
Leonel, que chefiava a área de inteligência da Receita em Curitiba, onde
trabalhava. Leonel é hoje presidente do Coafe foi levado ao governo de Jair
Bolsonaro por Sergio Moro.
A relação
entre Leonel e a força-tarefa era tão próxima que eles pediram para o auditor
informações sigilosas de contribuintes até mesmo para verificar hipóteses sem
indícios mínimos. A Lava Jato, como o Intercept mostrou em parceria com o El
País, já se movimentou contra seus inimigos declarados motivada apenas por boatos.
Roberto
Leonel chefiava a área de inteligência da Receita em Curitiba, onde trabalhava.
Ele hoje é presidente do Coaf e foi levado ao governo de Bolsonaro por Moro.
A obsessão Lula: ‘tipo pescador de pesque e pague
rsrsrs’
Três dos
casos encontrados nos
diálogos envolvem a maior obsessão dos procuradores em todos os anos de
conversas pelo Telegram, o nome mais citado entre todos: o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Em agosto de 2015, diante das notícias de que um sobrinho
de Lula fizera negócios em Angola com ajuda do político e da Odebrecht, a
primeira coisa que ocorreu ao procurador Roberson Pozzobon foi chamar Leonel.
“Quero pedir via Leonel para não dar muito na cara, tipo pescador de pesque e
pague rsrsrs”, disse numa mensagem a Dallagnol no grupo Chat FT MPF Curitiba 2.
No ano
seguinte, entre janeiro e março, a força-tarefa pediu a Leonel que levantasse
informações sobre uma nora de Lula e sobre o caseiro do sítio de Atibaia,
propriedade à época registrada em nome de Fernando Bittar e Jonas Leite,
e que era frequentada pelo ex-presidente. O caso levou à sua segunda condenação.
18 de janeiro de 2016 – grupo 3Plex
Januário Paludo – 15:18:31 – estou pedindo para roberto
leonel verificar se o aluguel é pago para a marlene araujo, cnpj SUPRIMIDO pelo restaurante SUPRIMIDO. Ja pedi todos os registros de
imóveis do terminal 3 de guarulhos.
Paludo – 15:18:37 – CNPJ SUPRIMIDO Nome fantasia: SUPRIMIDO Razão Social: SUPRIMIDO LTDA 06/11/2013 end: Rod Helio
Smidt, S/N, Terminal de Passageiros 3; 1º piso, Aeroporto de Guarulhos
Julio Noronha – 15:19:02 –
A
investigação informal contra Lula e pessoas que o cercavam também incluiu o
pedido, feito pelos procuradores, a informações sobre o patrimônio dos antigos
donos do sítio, antes da propriedade ser comprada por Bittar e Leite. Na mesma
época, os procuradores também solicitaram ao auditor informações sobre compras
que a ex-primeira dama Marisa Letícia e os seguranças do casal teriam feito.
Em 15 de
fevereiro daquele 2016, Dallagnol sugeriu aos colegas no grupo 3Plex que
pesquisassem as declarações anuais de imposto de renda do caseiro Elcio Pereira
Vieira, conhecido como Maradona. “Vcs checaram o IR de Maradona? Não me
surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público
(comissionado)”, disse. “Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal”.
Uma
semana depois, Moro autorizou a quebra do sigilo fiscal do caseiro. No processo
que trata do sítio, no entanto, não há nenhuma informação do Fisco sobre ele,
nem sinal de que a hipótese de Dallagnol tenha sido checada.
15 de fevereiro de 2016 – grupo 3Plex
Deltan Dallagnol – 15:53:20 – Vcs checaram o IR de Maradona?
Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público
Dallagnol – 15:53:24 – (comissionado)
Julio Noronha – 15:55:00 – Não olhamos… Vou colocar na
lista de pendências
Dallagnol – 15:56:32 – Pede pro Roberto Leonel dar uma
olhada informal
Noronha – 15:56:39 – Ok!
Em 6 de
setembro de 2016, o procurador Athayde Ribeiro Costa informou aos colegas no
grupo 3Plex que pediu a Leonel para averiguar se os seguranças de Lula tinham
adquirido uma geladeira e um fogão, dois anos antes, para equipar o triplex que a empreiteira
OAS diz ter reformado para o petista no Guarujá.
Costa enviou ao auditor sem
autorização judicial, os nomes de oito seguranças que trabalhavam para o
ex-presidente, além do nome de duas lojas. Não há confirmação, nos chats, se
Leonel verificou as informações, mas no processo do triplex, que levou Lula à prisão,
a OAS é indicada como responsável pela
compra dos eletrodomésticos, e não os seguranças.
6 de setembro de 2016 – Grupo 3Plex
Athayde Ribeiro Costa – 20:18:43 – Pessoal, fiz esse pedido ao
LEONEL em relacao ao fogao e geladeira
Costa – 20:18:53 – Leonel, boa noite. Se possível,
tentar ver dps se os seguranças do LULA adquiriram geladeira e fogao da marca
BRASTEMP no ano de 2014 que foram parar no apartamento. Os fornecedores devem
ter sido a SUPRIMIDO ou SUPRIMIDO. Será que conseguimos ver isso?
Costa – 20:18:53 – O nome deles
Costa – 20:18:53 – SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO, SUPRIMIDO e SUPRIMIDO.
Jerusa Viecilli – 21:37:12 –
As
mensagens não permitem saber se Leonel atendeu a todos os pedidos clandestinos
dos procuradores, mas há ao menos um caso em que fica claro que o auditor
repassou informações sobre pessoas que sequer eram investigadas em Curitiba.
‘Por favor delete este assunto por enquanto’
A
corridinha de Loures, flagrado pela PF na noite de 24 de abril de 2017
carregando uma mala com 500 mil reais em dinheiro vivo.
Em maio
de 2017, Leonel
informou a Dallagnol, em um chat privado, que fizera uma representaçãocontra os
pais do ex-deputado do PMDB Rodrigo Rocha Loures, e que preparava outra contra
sua ex-mulher, que acabara de declarar uma conta milionária na Suíça.
O deputado da mala, aliado do então presidente
Michel Temer, tinha sido afastado de seu mandato pelo STF poucos dias antes
daquela conversa. Ele foi filmado pela Polícia Federal recebendo
R$ 500 mil de um executivo da J&F. Na época, a
Procuradoria-Geral da República acusou Temer de ser o destinatário final do
dinheiro. A denúncia contra Temer foi suspensa pela Câmara dos Deputados.
24 de maio de 2017 – Chat privado
Roberto Leonel – 16:28:27 – Deltan Posso te falar daquele
outro assunto de ontem Gersonme deu mais bronca
Leonel – 16:29:26 – Fiz hj representação para srrf08
contra os pais do Rodrigo copiando Gerson normalmente Ele quis saber pq fiz etc
e se tinha passado está inf a vcs
Leonel – 16:30:11 – Disse q NUNCA passei pois não
tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este assunto por enquanto
Deltan Dallagnol – 16:30:20 – Vc fez bem Por que ele quer
saber se passou pra nós?
Dallagnol – 16:30:31 – claro
Leonel – 16:34:38 – Pior
Leonel – 16:36:43 – Confidencial A ex cônjuge do dep
fed Rodrigo entregou dirpf retificadora incluindo conta no banco pictet suica
Não menciona na dirpf se fez ou não dercat. Mas aproveitou o embalo e inseriu
saldo de 1 milhão em cc na suica aem lastro
Dallagnol – 16:39:21 – ta brincando!!
Leonel – 16:39:48 – Agora estou fazendo outra
representação
Leonel – 16:40:06 – Banco pictet Conhecido de vcs?
Leonel – 16:40:37 – Esta Inv está na pgr ou descerá
para vcs?
Leonel – 16:40:54 – Acho q ficará lá mas sei lá como
vou fazer
Dallagnol – 16:44:14 – Com a PGR. Estou sugerindo eles
fazerem checagens
Dallagnol – 16:44:28 – Quem está com isso é a colega
clara, do gt-pgr da lava jato
Dallagnol – 16:44:34 – se quiser te coloco em contato
com ela
Loures
não era investigado em Curitiba. Mesmo assim, Leonel procurou Dallagnol após
ser questionado por seu superior sobre a representação. “Ele quis saber pq fiz
etc e se tinha passado está inf a vcs”, disse Leonel, no dia 24 de maio. “Disse
q NUNCA passei pois não tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este
assunto por enquanto”.
Dallagnol
quis saber de Leonel por que o chefe do auditor suspeitava que ele poderia ter
repassado informações sobre os pais de Loures à força-tarefa. O auditor deixou
a pergunta sem resposta, mas contou que iria protocolar nova representação.
“Confidencial”, escreveu. “A ex cônjuge do dep fed Rodrigo entregou
dirpfretificadora incluindo conta no banco pictet suica Não menciona na dirpf
se fez ou não dercat. Mas aproveitou o embalo e inseriu saldo de 1 milhão em
ccna suica aem lastro”.
Segundo
Leonel, a ex-mulher de Loures retificara sua declaração anual de Imposto de
Renda para informar uma conta na Suíça com saldo de 1 milhão de doláres – no
que parecia um movimento para aderir ao programa, lançado no ano anterior, para
regularização de dinheiro mantido no
exterior.
O auditor
perguntou a Dallagnol se ele tinha informações sobre o banco suíço Pictet. Já
Leonel quis saber do procurador onde as investigações sobre Loures seriam
conduzidas. Dallagnol respondeu que o caso estava com Brasília e prometeu pôr
Leonel em contato com uma colega.
Sem deixar rastros
Algumas
semanas depois, o chefe
da força-tarefa discutiu no Telegram com o auditor a possibilidade de ter
acesso amplo à lista de contribuintes que haviam aderido ao programa de
regularização de ativos, o mesmo que Leonel suspeitava ter sido usado pela
ex-mulher de Rocha Loures. Essa lista é mantida sob sigilo pela Receita
Federal.
O
Ministério Público Federal e os auditores fiscais criticaram o programa
publicamente na época. Eles temiam que criminosos o usassem para legalizar
dinheiro de origem ilícita. O programa não exigia, de fato, a comprovação da
origem do dinheiro. A Receita pode analisar esses dados e comunicar indícios de
crime a outros órgãos, o que tem ocorrido, mas normas internas do Fisco – para
dar segurança a todos os contribuintes do país – restringem o acesso às
informações.
Dallagnol
chegou a tratar do assunto em junho de 2017 com o então secretário da Receita
Federal, Jorge Rachid, e também com Gerson Schaan, o chefe de Leonel, numa
reunião da qual participaram outros integrantes da força-tarefa. Dallagnol
relatou o encontro ao auditor amigo, que não estava presente. “Bati de frente
com ele, inclusive dizendo na frente de todos que ele tinha que ser o primeiro
a defender as mudanças do sistema para que deixe de ser um canal de lavagem.”
1 de junho de 2017 – Chat privado
Roberto Leonel – 08:01:37 – Caro Deltan Bom dia Como foi a
reunião com o rachidMesmo q curiosidade mate, mas não resisti em te perguntar
Deltan Dallagnol – 12:39:24 – Foi boa, mas Gerson se colocou
uma postura de defender a opacidade do programa com argumentos furados (“não
existe sistema informatizado para extrair” e “se gafi aprovou é porque é bom
contra lavagem de dinheiro”). Bati de frente com ele, inclusive dizendo na
frente de todos que ele tinha que ser o primeiro a defender as mudanças do
sistema para que deixe de ser um canal de lavagem. Fomos sensíveis à questão de
o prazo estar aberto até julho e colocamos 3 demandas: cruzamento dos CPFs do
programa com os da LJ; compartilhamento com o COAF; após julho, pedir comprovação
da origem. Ficaram de “estudar”. Na pratica, creio que vão se mexer só quando
se tornar público nosso procedimento que será instaurado a partir daquele da
corregedoria do MF.
Leonel – 13:49:07 – Q vergonha Desculpe Uma questão
é plano de arrecadação trib pela regularização Outra é controle cruzamentos e
sigilo absoluto dos dados
Leonel – 13:50:41 – Acho q não vão fazer Ou se
fizerem pouco abrirão ou pouco controlarão Vai ser briga entre Coger MF e gab
de novo Vamos ver quem ganha
Leonel – 14:12:52 – Só não peço para sair da chefia
do EspeiPor que acho q ajudo muito mais brigando e enchendo o saco deste povo
Dallagnol – 16:00:52 – Nem pense nisso!
Dallagnol – 16:00:59 – Vc é essencial
Dallagnol
pediu à Receita o cruzamento dos dados dos contribuintes que aderiram ao
programa com os de investigados pela Lava Jato, o compartilhamento das
informações com o Coaf e a exigência de comprovação da origem dos recursos
declarados. O procurador disse que a Receita ficou de estudar os pedidos. Em
sua resposta, Leonel mostrou-se decepcionado. “Acho q não vão fazer Ou se
fizerem pouco abrirão ou pouco controlarão”, escreveu.
‘Se eu pedir para consultar todos
os nomes, Vc não tem como assegurar que o Paulo não vá ter acesso?’
Um mês
depois desse diálogo, os dois continuavam insatisfeitos com a falta de acesso
às informações do programa, e Dallagnol consultou Leonel sobre a possibilidade
de buscá-las nos computadores da Receita sem que a cúpula do órgão fosse
alertada. “Se eu pedir para consultar todos os nomes, Vc não tem como assegurar
que o Paulo não vá ter acesso?”, escreveu Dallagnol ao auditor. “Vc pode dizer
que recebeu a demanda, e posso fazer expressamente, exigindo garantia de que
não sairá do ESPEI. E negocia com o Paulo, não?”
Leonel
explicou a Dallagnol que tinha como saber a identidade dos contribuintes que
haviam aderido ao programa, mas não os valores e outros detalhes. Mas alertou:
era improvável que conseguisse consultar as informações sem deixar rastros. “Eh
uma situação difícil q estou para te responder”, disse Leonel. “Não tenho como
garantir q a copesnão vá ter acesso.” O auditor sugeriu que uma alternativa
seria obter uma lista completa fora dos sistemas, mas não via como conseguir
algo assim: “Só por um milagre eles me passarao a listagem”.
8 de julho de 2017 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 11:01:19 – Roberto se eu pedir para
consultar todos os nomes, Vc não tem como assegurar que o Paulo não vá ter
acesso? Vc pode dizer que recebeu a demanda, e posso fazer expressamente,
exigindo garantia de que não sairá do ESPEI. E negocia com o Paulo, não?
Leonel – 13:51:32 – Eh uma situação difícil q estou
para te responder. Ontem conversei com jerusa Não tenho como garantir q a copes
não vá ter acesso. Somente se eu tivesse a listagem completa off-line do
rercto, mas q dificilmente será disponibilizada off-line pois sem controle de
acesso. Só por um milagre eles me passarao a listagem.
A consulta
individualizada q Paulo cirilo falou q disponibilizou para mim em um extrator
da rfb, apenas é individualizada por cpf e CNPJ , além de apenas informar sim
ou não aderente. Sem valor, sem data de darf , q em alguns casos será
importante. Esta consulta individualizada manual um a um é monitorada pela
Copes do Paulo Cirilo.
Dallagnol
decidiu então restringir seu pedido. As mensagens do dia seguinte dão a
entender que ele queria acesso amplo às informações do programa de repatriação,
mas, ao mesmo tempo, queria evitar que a Receita Federal soubesse quais eram os
alvos da Lava Jato. “Acho que o melhor é pedir a consulta excluindo os mais
sensíveis mesmo”, escreveu. Leonel respondeu em 10 de julho: “Envie ofício com
eventual exclusão dos mais sensíveis e ainda sob sigilo e dai veremos como
proceder.”
A
proximidade do auditor com as investigações da Lava Jato era frequentemente
elogiada por Dallagnol e outros procuradores, mas foi motivo de críticas entre
os funcionários da Receita. Eles o viam mais como um funcionário do Ministério
Público do que do Fisco. “Leonel está com muitos problemas internos na
Receita”, escreveu o procurador Paulo Roberto Galvão no grupo Filhos de
Januario 1 em outubro de 2016. “Estranhamentos decorrentes da percepção de que
ele trabalha para o MPF e não para a arrecadação.” O procurador Diogo Castor de
Mattos ponderou: “eh um cara que nos ajuda mto”.
Um homem da Lava Jato no Coaf
Foi Moro
quem levou Leonel ao Coaf. Hoje Leonel responde ao Ministério da Economia de
Paulo Guedes, sujeito os humores de Bolsonaro.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil |
No último
mês de julho, o
presidente do Supremo, Dias Toffoli, suspendeu investigações baseadas em
informações do Coaf. A mais polêmica delas tem como alvo o filho do
presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro, do PSL. Toffoli argumentou
que o Coaf só pode compartilhar – sem autorização judicial – dados genéricos,
sem detalhes sobre a movimentação financeira das pessoas, como a possível
compra de uma geladeira, por exemplo.
O Supremo
ainda se movimentou mais um vez. No início deste mês, o ministro Alexandre de
Moraes suspendeu investigações conduzidas
pela Receita sobre 133 contribuintes, incluindo as mulheres dos
ministros Gilmar Mendes e Toffoli. Moraes argumentou que os alvos da Receita
foram selecionados sem motivo.
Leonel criticou publicamente a
decisão de Toffoli, o que levou Bolsonaro a pedir a sua cabeça no Coaf.
O governo também decidiu transferir o órgão, que já foi ligado ao Ministério da
Justiça e hoje está com o Ministério da Economia de Paulo Guedes, para o Banco
Central.
O
Ministério Público tem o direito de solicitar informações à Receita durante
investigações, mas é necessário que os pedidos sejam realizados de maneira
formal e fundamentada – o que é bem diferente de uma mensagem privada enviada
pelo Telegram. Em casos de pedidos muito abrangentes, não há como escapar de
pedir autorização à Justiça.
Auditores têm, claro, o dever de avisar ao
Ministério Público quando encontram indícios de crimes ao fiscalizar contribuintes,
mas existem limites para o compartilhamento dos dados, como Dias Toffoli e
Alexandre de Moraes deixaram claro em suas decisões.
Ao
receber o convite de Moro para chefiar a Coaf, em novembro de 2018, Leonel
consultou Dallagnol. “Meu Deus Falei com ele Tarefa difícil Mas temos de ajudar
este país”, disse.. “Exato. Alguns convites são irrecusáveis”, respondeu o
chefe da Lava Jato, que aproveitou para fazer lobby em prol da força-tarefa. “Povo
vai lá e sai pra chefiar setores de compliance dos bancos. É evidente que assim
eles jamais vão acusar os bancos de irregularidades.
Vão levar na manha pra
sair de bem com os bancos e serem chamados. É o que estamos constatando. Nós
vamos pra cima dos bancos aqui na LJ e vamos precisar da sua ajuda”.
Apesar de
ter deixado a inteligência da Receita em Curitiba, Leonel seguiu próximo à
força-tarefa.
No fim de março deste ano, ele encaminhou uma mensagem ao
procurador Júlio Noronha se dizendo triste e preocupado com a chance da área
que comandava na casa ser desmontada frente a uma possível reestruturação da
Receita depois de “contribuir fortemente, juntamente com o MP e Polícia, em
investigações de lavagem de dinheiro, de corrupção, e contra org criminosas”.
Em abril, fez questão de visitar pessoalmente a sede da força-tarefa na capital
paranaense para apresentar um relatório feito pela inteligência do Coaf
especialmente para os procuradores. O destino de Leonel, fiel aliado de Moro,
está agora nas mãos de Paulo Guedes, e
ao sabor dos humores de Bolsonaro.
Procuradas
pelo Intercept e pela Folha, a força-tarefa em Curitiba e a Receita Federal
afirmaram que a troca de informações ocorre dentro de limites legais. Ainda
assim, tanto a Lava Jato quanto a Receita não falaram nada sobre o caráter
informal que marca os diversos pedidos de informação feitos pela força-tarefa
ao Fisco revelados pelos diálogos.
“É
perfeitamente legal – comum e salutar no combate ao crime organizado – o
intercâmbio de informações entre o Ministério Público Federal e a Receita no
exercício das funções públicas de apuração de fatos ilícitos de atribuição dos
órgãos”, afirmou em nota a força-tarefa ao ressaltar que a troca de informações
é incentivada pela Lei das Organizações Criminosas e pela Lei Orgânica do
Ministério Público da União.
O Manual do Sigilo Fiscal da Receita, no entanto,
diz que o órgão deve fornecer informações sigilosas aos procuradores sempre que
houver requisição feita diretamente, mas deixa claro também que o acesso amplo
e indiscriminado a seus bancos de dados não é permitido.
Sobre a
discussão com a Receita para acessar informações do programa de regularização
de ativos no exterior em 2017, a força-tarefa explicou que buscou proteger a
identidade dos alvos da Lava Jato para garantir o sigilo de investigações em
andamento.
A Receita Federal, por sua vez, afirmou que o MPF “tem o poder de
requisitar informações protegidas por sigilo fiscal”, e que a cooperação de seu
escritório de inteligência em Curitiba respeita regras previstas no Código
Tributário Nacional, que exige procedimentos formais para troca de informações.
“Todos os servidores da Receita Federal estão sujeitos ao sigilo fiscal e
respondem administrativa, cível e criminalmente em caso de vazamento doloso”,
acrescentou.
Informado
sobre o teor das conversas envolvendo o atual chefe da instituição, o Coaf não
se manifestou. Roberto Leonel também preferiu ficar em silêncio.
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