Do ódio à ex-guerrilheira ao poder com o ex-capitão

Os militares nunca perdoaram Dilma Rousseff pela criação da Comissão Nacional da Verdade. Como se não bastasse uma mulher e ex-guerrilheira se tornar presidenta da República, a CNV foi considerada uma afronta pelos seguidores da narrativa do ORVIL - a propaganda de contra-informação lançada pelos militares da ditadura para rebater o livro "Brasil Nunca Mais", que denunciou, em 1985, torturas, assassinatos e desaparecimento de corpos praticados por agentes da ditadura, levantados a partir de processos do Superior Tribunal Militar. 
À época, as instituições democráticas eram mais fortes, o Exército cumpria seu papel constitucional e, embora não tenham colaborado para esclarecer o que aconteceu aos arquivos militares à época da ditadura, jamais entregues, os militares da ativa não se pronunciaram contra a Comissão publicamente. Com uma única exceção - o general Sérgio Etchegoyen, que divulgou em 2014 uma nota violenta contra o relatório da CNV, que incluía o nome de seu pai, Leo, entre os mais de 300 militares acusados de envolvimento com as violações de direitos humanos. 
Não por acaso Sérgio Etchegoyen foi nomeado por Temer, antes mesmo do impeachment de Dilma ser votado no Senado, para chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão que havia sido extinto por ela, em 2015. Visto como uma espécie de "fiador" do governo Temer, foi mentor das operações de GLO nas favelas e da intervenção federal na Segurança do Rio de Janeiro, em 2018, indicando o general Braga Netto como interventor. Entre 2017 e 2018, o Exército participou de 61 operações de GLO, que provocaram a morte de 21 civis - nenhuma delas punida pela Justiça Militar, como revelou a jornalista Natalia Viana no Especial Efeito Colateral
Em 2017, quando as operações de GLO começavam a se multiplicar, entrevistei o general Álvaro de Souza Pinheiro, que se dizia especialista em operações militares urbanas. Meu foco, na verdade, era obter novos detalhes do genocídio perpetrado pelos militares no Araguaia (ele participou das operações e foi ferido no ombro por uma guerrilheira), citado por ele em um depoimento dado na Comissão Nacional da Verdade - divulgado com muitos elogios nos sites militares. Um de seus filhos trabalhava no gabinete do então comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, e ele comentou o entusiasmo dos generais com o virtual candidato a presidente, Jair Bolsonaro. Quando perguntei por que oficiais de estirpe se aliavam a um capitão que foi praticamente expulso do Exército, ele se irritou e, antes de encerrar bruscamente a entrevista, gritou: "O Bolsonaro pode ser um boçal, um ignorante, mas ele nos defende, é a nossa chance de tirar pra sempre esses terroristas que estavam no poder, e restabelecer a verdade histórica".
No governo Bolsonaro, Etchegoyen transmitiu o cargo ao amigo general Augusto Heleno - que cometeu graves violações de direitos humanos quando comandava as forças da ONU no Haiti e, ao passar para a reserva, em 2011, elogiou a ditadura militar; o general Braga Netto, ironicamente, depois seria nomeado ministro da Casa Civil. 
De Dilma a Bolsonaro, os militares vem traçando uma estratégia para recuperar o poder e para reescrever a história da ditadura, como escancarou o general Pinheiro. Bolsonaro foi a oportunidade que surgiu. Hoje, além do vice-presidente e dos quatro ministros militares do Planalto, são militares da reserva os titulares da Defesa, Ciência e Tecnologia, Minas Energia, além do ministro da Educação (pastor com formação militar) e do ministro interino da Saúde. Outros militares da reserva ocupam cargos de 2o e 3o escalão, além de 1271 militares da ativa cedidos ao governo. 
Não há como as Forças Armadas se dissociarem do governo Bolsonaro, nem motivo para se retratar por qualificar de genocida o comportamento deste governo durante a pandemia, como cobrou Mourão do ministro Gilmar Mendes. Até porque, da ditadura às operações de GLO, o genocídio já era a especialidade da farda. 
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

Os procuradores de Curitiba caíram no canto da sereia

 
Do portal da CUT
por Natalia Viana
 
"June Drake", "Becky Nguyen", "Carlos Fernandes" são alguns dos nomes que saltam aos olhos quando se mergulha nos detalhes da colaboração da Lava Jato com o governo americano. Estes são alguns agentes do FBI que atuaram no Brasil e que, por serem impossíveis de rastrear, jamais saberemos que informações receberam e o que fizeram com elas. O que sabemos é que são especializados em conquistar fontes, amealhar parcerias e aliados, fazendo o que se chama de "engenharia social". E que frequentavam até festinhas junto aos procuradores, como aquela de despedida do "adido Frank Dick" na embaixada do Reino Unido onde, entre copos, discutiam a colaboração lavajatista. 

Para além do teor pouco republicano dos diálogos revelados pela Agência Pública em parceria com o The Intercept Brasil na semana passada, – em 2016, Deltan Dallagnol chegou a dizer que preferia não compartilhar um pedido de extradição com o governo de Dilma Rousseff, mesmo alertado por um colega da PGR de que isso era ilegal – o que surpreende nessa história é como os procuradores curitibanos foram presa fácil para os agentes americanos. Sedentos por serem reconhecidos na arena internacional como "líderes" da cruzada anti-corrupção, deixaram-se levar pelo canto da sereia. Alguns, como o carola Dallagnol, tinham certeza de contar com a mão divina por trás dos seus atos 

Vejamos: desde outubro de 2015, representantes do governo americano avisavam em reuniões fechadas que pensavam em impor à Petrobras uma multa de 1,6 bilhão de dólares. Naquela mesma visita (feita sem a autorização do Ministério da Justiça, contrariando o que manda a lei) Deltan já recebia um agrado: "Ontem falamos com eles sobre assets sharing da multa e perdimento associados à ação deles contra a Petro, e em parte desses valores há alguma perspectiva positiva", escreveu no Telegram. Asset sharing é o termo elegante para falar de divisão da grana. 

Desde então, os brasileiros se assanharam com a possibilidade de criar uma fundação para gerir o valor bilionário. Sediada em Curitiba, a fundação apoiaria projetos e treinamentos de combate à corrupção e teria óbvia influência dos procuradores. Ao mesmo tempo, Deltan e Roberson Pozzobon discutiam abrir uma empresa para atuar no mesmo ramo: "Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?", escreveu Dallagnol para sua esposa. 

Mas além do lucro pessoal, o asset sharing trazia um ganho de imagem à Força-Tarefa. Seus membros seriam verdadeiros heróis trazendo dinheiro "roubado" para ações "do bem". Tanto que eles chegaram a buscar ativamente ligações de uma empresa de Singapura que investigavam com os Estados Unidos, pois assim podiam envolver os procuradores do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) e "ampliar o valor", nas palavras de Deltan. 

Os americanos, apesar de terem retido a menor parte das multas da Petrobras e da Odebrecht, receberam à vista e ficaram muito felizes. Para eles, investigar corrupção internacional compensa. Desde 2015, a verba do FBI para investigar crimes de corrupção fora das suas fronteiras aumentou 300% e quatro escritórios foram abertos apenas para isso; o mais recente, em Miami, apenas focado em corrupção na América do Sul. O escritório do FBI no Brasil, que continua em atividade, também recebeu aumento de verbas para tratar desses casos. 

E as informações da Odebrecht e da Petrobras seguem dando frutos ao governo americano: ontem mesmo, o DOJ indiciou dois filhos do ex-presidente do Panamá por facilitar propinas em um projeto da Odebrecht. Ainda há muito o que investigar no continente de Tio Sam, como deixou claro Leslie Backschies, atual chefe da Unidade de Corrupção Internacional do FBI. A mesma que, alegremente, para felicidade da procuradora Thaméa Danelon, posou para uma foto apoiando as 10 medidas contra a corrupção em 2016. "Aaaahhh garota!! Aí é missão impossível. Até ouvi a musiquinha kkkk", deslumbrou-se Deltan. 

Em tempo: foi o FBI que acabou ganhando a cereja do bolo ao se aproximar do núcleo duro de Curitiba. Em menos de um ano e meio de mandato no Ministério da Justiça, Sergio Moro, o ex-juiz que sempre deu o tom da Lava Jato, escancarou as portas do MJ para o FBI, com franco acesso a um posto de vigilância na tríplice fronteira, ponto estratégico desde sempre para os EUA, a pretexto de combater o terrorismo internacional. 
Natalia Viana é codiretora e editora da Pública.

O buraco do ódio












No PT, não conseguimos criar, ajudar a formar, uma massa crítica. Não o tanto necessária. Por conta disso, geramos uma força contrária, que se aproveitou de um ódio latente e canalizou isso contra tudo o que é nosso.

As pessoas, por não conseguirmos ajuda-las a serem críticas e a crescer em nível de consciência, foram buscar outra coisa. Aquelas dancinhas contra nós, o verde-amarelo, eram passadas pela internet. O uso do amarelo para enfrentar o nosso vermelho.
O vermelho é assustador. Incita a mudança, compromisso, revolução. E mudar dá um cagaço monumental. O vermelho é assemelhado ao FOGO, que queima pra transformar, mudar, deixar em cinzas o que é velho.

Esse fogo, nós tínhamos lá atrás, na fundação, nos primórdios. Fomos “esfriando esse fogo” e as pessoas se desencantaram de nós. Precisavam se encantar com alguma coisa. E se encontraram com o ódio, o preconceito, o racismo e a misoginia. Tudo isso aflorou pelos buracos que deixamos abertos. Não soubemos juntar pessoas, no nosso entorno, pelo contrário, elas fugiram de perto de nós. Daí, se observar, eles falam em divisão o tempo todo.

Agora é hora de nos rejuntarmos. E tapar esse buraco de onde só emana ódio.

Isso só será possível se nos tornarmos iniciadores de uma nova etapa política de criação de consciência crítica. Sem entrarmos nesse ódio. Que é deles.

Não é fácil, eu sei. É um processo de um mundo novo, de um mundo complexo.

Paulo Morani
Julho de 2020

Trump pressiona Brasil a aumentar as importações de etanol americano.

https://f.i.uol.com.br/fotografia/2020/05/30/15908846055ed2f8fd987d9_1590884605_3x2_th.jpgCom próximas eleições, Trump pressiona Brasil a aumentar as importações de etanol americano. Com setor em crise devido à corona vírus, americanos querem acabar com barreiras para vender mais combustível ao país


Ricardo Della Coletta
Brasília

O governo Donald Trump quer que o Brasil concorde em aumentar a cota de importação de etanol no país porque o gesto aumentará as chances de reeleição do americano nos Estados produtores de milho.
Segundo relatos feitos à Folha, os americanos estão trabalhando para o fim de uma cota anual de importação sem tarifa de 750 milhões de litros de etanol - que excede esse volume, paga uma taxa de 20%.
A cota atual já é resultado de um pedido americano. Até o ano passado, era limitado a 600 milhões de litros por ano, mas o Brasil aumentou para o valor atual para agradar ao governo Trump.

Trump e Bolsonaro - EPA

Os EUA produzem etanol a partir do milho, e o produto é mais barato que o similar brasileiro, feito com cana-de-açúcar.
Segundo dados do governo compilados pela UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), os americanos são os maiores vendedores da substância para o Brasil. O país importou 142,5 milhões de litros, dos quais 127,6 milhões vieram dos EUA.

A entrada de álcool estrangeiro no país afeta principalmente pequenas usinas do Nordeste, que no ano passado tentaram, sem sucesso, impedir o aumento da cota de importação.
Acabar com as barreiras de importação é um apelo de longa data dos EUA, mas os americanos voltaram ao fardo nas últimas semanas com novos argumentos.

A principal delas, apresentada em conversas com autoridades brasileiras, é que desta vez a questão é politicamente sensível porque Trump deve se beneficiar eleitoralmente do aumento das vendas de etanol nos estados do Centro-Oeste que fazem parte do Cinturão do Milho.