INQUÉRITO 4.954 RIO DE JANEIRO RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Chiquinho e Domingos Brazão e Delegado Rivaldo

                                                                        

INQUÉRITO 4.954 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

AUTOR(A/S)(ES) : SOB SIGILO

PROC.(A/S)(ES) : SOB SIGILO

DECISÃO

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Trecho da decisão encaminhada a PGR e a PF para a prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco!

Diante do teor da proposta, MACALÉ convidou RONNIE LESSA, notório sicário carioca, para a empreitada criminosa que, seduzido pela possibilidade de se tornar um miliciano detentor de uma extensa margem territorial, aceitou o convite e ambos foram à primeira reunião com os Irmãos, devidamente intermediada por ROBSON CALIXTO FONSECA, vulgo PEIXE. 

Dessa primeira reunião extraem-se três pontos: os Irmãos BRAZÃO infiltraram o nacional LAERTE SILVA DE LIMA nas fileiras do PSOL para levantamento interno de informações, o que resultou na indicação de que Marielle pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia; foi apresentada aos sicários a proposta de recompensa pelo crime; foi estabelecida a única exigência, qual seja, a execução não poderia se originar da Câmara dos Vereadores. 

Segundo DOMINGOS, tal exigência partira de RIVALDO BARBOSA, então Diretor da Divisão de Homicídios da PCERJ e já cooptado pelo grupo criminoso. 

Após esse primeiro encontro, foram providenciados os instrumentos utilizados na empreitada criminosa, tais como: a arma do crime, cedida por PEIXE e MARCUS VINICIUS REIS DOS SANTOS, vulgo FININHO, para MACALÉ, em Rio das Pedras e; o veículo GM/Cobalt, obtido por MAXWELL SIMÕES CORRÊA, vulgo SUEL, por meio do nacional OTACÍLIO ANTÔNIO DIAS JÚNIOR, vulgo HULKINHO, o que, inclusive, robustece o cenário probatório desenhado em face do ex-bombeiro na Operação Élpis.  

Com isso, RONNIE LESSA deu início ao monitoramento do alvo e, diante de uma série de intercorrências, verificou que a exigência fixada por RIVALDO BARBOSA e repassada por DOMINGOS teria o condão de inviabilizar a execução da Vereadora. Assim, RONNIE solicitou a MACALÉ o agendamento de um segundo encontro para tentar demover os autores intelectuais dessa exigência, o que foi prontamente rechaçado. 

Apesar de frustrado, RONNIE continuou na empreitada e Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. promoveu diversas diligências de monitoramento do alvo, como aquelas identificadas pela Delegacia de Homicídios da Capital nos dias 1º, 2º, 07 e 14 de fevereiro de 2018, as quais ele aponta que foram direcionadas tanto a Marielle Franco quanto a REGINA CELI, alvo paralelo da dupla RONNIE e MACALÉ. Todas essas diligências preparatórias culminaram com o evento do dia 14 de março de 2018. De acordo com RONNIE LESSA, naquela oportunidade, por volta do meio-dia, ele recebeu uma ligação de MACALÉ, por meio da qual ele revelou que recebera uma ligação oriunda do terminal vinculado a LAERTE

Todavia, ao atender o telefone, MACALÉ se surpreendeu ao constatar que o interlocutor, na verdade, era RONALD PAULO ALVES PEREIRA, vulgo MAJOR RONALD. Em que pese isso, MACALÉ indicou a LESSA que RONALD lhe passara a informação de que na noite daquele dia haveria o evento na Casa das Pretas e que Marielle Franco estaria presente. 

A partir dessa informação, RONNIE fez contato com ÉLCIO VIEIRA DE QUEIROZ, que já havia sido informado da existência de um serviço em andamento em face de uma mulher desde o Réveillon de 2018, e ambos deram início à dinâmica narrada de forma exaustiva no bojo do relatório final do Inquérito Policial n.º 2023.0012608-SR/PF/RJ – Operação Élpis. 

Em relação ao segundo serviço contratado, conforme brevemente mencionado, RIVALDO BARBOSA, então Diretor da Divisão de Homicídios da PCERJ, antecede MACALÉ e RONNIE LESSA na adesão da empreitada criminosa, sendo um dos arquitetos, na companhia dos Irmãos BRAZÃO, da fase interna do iter criminis, o que se constata pela aposição da exigência fundamental repassada aos executores. Como visto, tal exigência tem fundamento na necessidade de se afastar outros órgãos, sobretudo federais, da persecução do crime em comento, de modo a garantir que todas as vicissitudes da investigação fossem manobradas por RIVALDO, então supervisor de todas as investigações de homicídios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e, posteriormente a Chefe de Polícia, cuja cerimônia de posse ocorrera na véspera da consecução dos homicídios ora investigados. 

Sendo assim, menos de doze horas depois da consumação dos homicídios, RIVALDO nomeou o Delegado GINITON LAGES, pessoa de sua extrema confiança, para o cargo de Delegado Titular da Delegacia de Homicídios da Capital e, consequentemente, responsável pela apuração do crime. Com a assunção do cargo por GINITON, se operacionalizou a garantia da impunidade dos autores do delito. 

Inicialmente essa garantia se alastrou, inclusive, aos autores imediatos, o que foi narrado por RONNIE LESSA na terceira e última reunião em que participou na presença dos Irmãos BRAZÃO, oportunidade na qual lhe foi indicado que RIVALDO estava promovendo a deflexão da investigação. De fato, naquele período, o crime começou a ser imputado a MARCELO SICILIANO, em um arranjo nefasto que foi descortinado pela Operação Nevoeiro. 

Traçada essa breve síntese acerca da dinâmica delitiva, é possível verificar que, sob a ótica dos autores mediatos, o crime foi cometido mediante motivação torpe, ante a repugnância dos Irmãos BRAZÃO em relação à atuação política de Marielle Franco e de seus correligionários em face dos seus interesses escusos. Como dito, RONNIE LESSA ouviu de DOMINGOS BRAZÃO que o infiltrado LAERTE teria levantado que Marielle pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia. 

Neste contexto, como ressaltado em tópico próprio, torna-se necessário considerarmos a extensão do entendimento do colaborador em relação à motivação, especialmente porque esta se baseia em informações dispersas provenientes de alegados comentários de DOMINGOS BRAZÃO durante as negociações para a prática do homicídio. Dessa forma, as afirmações podem abranger apenas uma parte de um contexto mais intrincado e desconhecido pelo algoz da Vereadora. 

Assim, é importante destacar que a conclusão atual foi fundamentada na investigação da veracidade do conteúdo das declarações do colaborador e na busca por dados e evidências que pudessem confirmar a narrativa apresentada ou, no mínimo, corroborar sua plausibilidade. Acrescente-se a isso o fato de que as negociações para a realização do crime ocorreram de maneira clandestina, durante breves encontros em local deserto, o que comprometeu significativamente a confirmação, por meio de métodos técnicos e diretos, do acordo fatal e de sua respectiva motivação. 

Assim, resta apenas a avaliação da aparente veracidade para a valoração das informações fornecidas por aquele que perpetrara a vítima. Apreciando, portanto, os dados e informações ora apresentadas, bem como suas respectivas análises relativas às declarações de RONNIE LESSA acerca da motivação do crime, reputam-se verossímeis as declarações sobre a suposta animosidade dos Irmãos BRAZÃO em face dos políticos do PSOL.

 

Aqui impende destacar que esse cenário recrudesceu justamente no segundo semestre de 2017, atribuído pelo colaborador como sendo a origem do planejamento da execução ora investigada, ocasião na qual ressaltamos a descontrolada reação de CHIQUINHO BRAZÃO à atuação de Marielle na apertada votação do PLC n.º 174/2016, externada pelo assessor ARLEI ASSUCENA. 

 

No mesmo sentido, apontam diversos indícios do envolvimento dos BRAZÃO, em especial de DOMINGOS, com atividades criminosas, incluindo-se nesse diapasão as relacionadas com milícias e ‘grilagem’ de terras, e, por fim, ficou delineada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito à moradia. 

Deste modo, não obstante a falta de provas diretas decorrentes da natureza clandestina das tratativas que RONNIE LESSA alega ter mantido com DOMINGOS e CHIQUINHO BRAZÃO, é possível inferir que suas declarações sobre o motivo que teria ensejado a morte da Vereadora Marielle Franco se mostram verossímeis diante dos dados e indícios ora apresentados. Neste sentido, inexistem dúvidas em relação ao teor repugnante da motivação dos Irmãos BRAZÃO na empreitada criminosa.

Deste modo, tendo em vista a construção do vínculo subjetivo da dupla com RIVALDO BARBOSA ainda no cogitatio, nascedouro do iter criminis, verifica-se que sua motivação em participar do crime, ainda que concebida no intuito de se obter vantagem pecuniária ou política de natureza ilícita, foi conglobada à dos idealizadores primários, o que tem o condão de o alçar, outrossim, à autoria mediata dos crimes em tela.