View of Favela Complexo do Chapadao in the north of Rio de Janeiro, Brazil, on March 25, 2020. Favelas will be the regions most affected by the Coronavirus Covid-19 in Rio de Janeiro, as they are densely populated regions where there are no basic sanitation resources and often not even piped water. (Photo by Luiz Souza/NurPhoto via Getty Images)
Vista da favela do Complexo do Chapadão, zona norte do Rio de Janeiro, em 25 de março. As favelas serão as regiões mais afetadas pelo coronavírus por causa da alta densidade populacional.
Foto: Luiz Souza/NurPhoto via Getty Images

As ruas do meu bairro, na zona norte do Rio, amanheceram diferentes ontem, dia seguinte ao do pronunciamento de Jair Bolsonaro.

Aparentemente, o presidente conseguiu o que queria: com desinformação, manipulação e meia dúzia de clichês, ele colocou a população da periferia contra as medidas de contenção que são necessárias para frear a propagação do novo coronavírus.

Meus vizinhos são, em grande parte, trabalhadores informais. Está todo mundo muito preocupado com a falta de trabalho, de dinheiro e vendo o estoque de comida na despensa e na geladeira sumindo rapidamente.
 
 
Ontem eu saí de casa para comprar umas coisas de que precisava. Encontrei todo o comércio aberto. Passando por bares, padarias, oficinas mecânicas, consegui ouvir as conversas. Não tinha outro assunto: todos falavam sobre o coronavírus e o discurso do presidente.

Até ontem, poucas lojas abriam por aqui. E tinha menos gente na rua que de costume. Moro numa área simples, entre a favela e o asfalto. Comércio, aqui, são lojinhas de roupas, alguns bares, lanchonetes e oficinas mecânicas e, claro, pequenas igrejas evangélicas.

Depois dos ataques de Bolsonaro à prevenção da saúde pública, encontrei calçadas mais cheias – com muitos idosos, inclusive, a maioria homens. Não tanto como antes da epidemia, mas deu para perceber que muita gente se sentiu autorizada a retomar a vida habitual pelo discurso do presidente. 

Afinal, se a maior autoridade do país está dizendo para geral ir para a rua, quem sou eu para dizer o contrário?

Numa das oficinas, um dos mecânicos falava, se referindo ao presidente: “Ele está certo, os grupos de risco são os velhos, mais de 60 anos. Não tem porque quem é novo ficar em casa”. 

“Tu não estás vendo, os patrões tão demitindo sem dar um real. Fica sem trabalhar para tu ver”, concordou um colega. Até antes da fala de Bolsonaro, a oficina estava fechada. E tinha de estar – era ordem da prefeitura do Rio.