Em coletiva à imprensa, o ministro Celso de Mello indicou
que aceitará os embargos infringentes, recurso que já defendia como
direito inequívoco dos réus desde o primeiro dia do julgamento do
mensalão. Só que da sessão de ontem até a apresentação do seu voto, na
próxima quarta (18), muitas manchetes irão rolar. Sucumbirá ele à
pressão? Confira com que argumentos cada lado disputa seu voto e quais
os cenários possíveis após sua decisão.
Najla Passos
Brasília - Só o tempo dirá se o
ministro Celso de Mello sucumbirá à intensa pressão midiática que recai
sobre ele desde o final da sessão desta quinta (12), quando a votação
pela admissibilidade ou não dos embargos infringentes na ação penal 470
fechou o placar em 5X5 e o presidente da corte, Joaquim Barbosa,
encerrou a sessão. Em coletiva à imprensa, indicou que irá manter a
posição expressa no primeiro dia de julgamento, pela validade do
recurso. Será?
Normalmente discreto, Celso de Mello fez questão
de conceder coletiva à imprensa. Difícil saber se foi uma fala
espontânea ou um recado às redações do país. Mas o fato é que ele deixou
claro que não se curvará às pressões da mídia, muitas vezes travestidas
de sentimento geral da população. “É preciso decidir, e é preciso
decidir com independência do que pensa a opinião pública”, disparou.
O
ministro não adiantou o teor do voto que, segundo ele, já está pronto.
Mas falou em coerência e lembrou aos jornalistas que já se manifestou
duas vezes sobre os embargos infringentes, uma delas na própria ação
penal do mensalão.
Foi no dia 2 de agosto de 2012, no primeiro dia do julgamento (ver vídeo),
quando rebateu o argumento dos advogados de que os réus sem direito a
foro privilegiado deveriam ser julgados nas instâncias inferiores para
terem direito ao duplo grau de jurisdição, como prevê o Pacto de São
José da Costa Rica, convenção internacional ratificada pelo Brasil.
“O
Supremo Tribunal Federal, em normas que não foram revogadas e ainda
vigem, reconhece a impugnação de decisões emanadas do plenário desta
corte em sede penal, não apenas em embargos de declaração como aqui se
falou, mas também em embargos infringentes do julgado, que se qualificam
como um recurso ordinário dentro do STF, na medida em que permitem a
rediscussão de matéria de fato e a reavaliação da própria prova penal”,
afirmou na ocasião.
Na ocasião, nenhum dos ministros, nem mesmo o
relator da ação, Joaquim Barbosa, contestou a posição de Mello sobre a
pertinência dos infringentes. Os advogados dos réus deixaram o tribunal
convictos de que teriam, pelo menos, direito de recorrer à própria corte
das decisões mais polêmicas, que obtivessem pelo menos quatro votos
contrários, como prevê o artigo 333 do Regimento da Corte. Para os
advogados, tudo indicava que a regra fora acertada no início do jogo. E
combinado não sai caro.
As ‘deslealdades’ do processo
Foi
também nesta mesma sessão que Barbosa e o ministro revisor, Ricardo
Lewandowski, protagonizaram sua primeira discussão acalorado. Ao votar
favorável ao desmembramento do processo, o revisor foi acusado pelo
relator de “deslealdade” por não ter apresentado sua posição
anteriormente. “Dialogamos nesses últimos 2,5 anos em que Vossa
Excelência é revisor. Me causa espécie que vossa excelência não tenha se
manifestado sobre isso há 6, 8 meses, antes que preparássemos toda
essa... É deslealdade, ora”.
Lewandowski reivindicou seu
direito à posicionamento contrário. “Eu, como revisor, ao longo deste
julgamento, farei valer o meu direito de manifestar-me sempre que
entender que isso seja necessário. Eu acho que é um termo muito forte o
que Vossa Excelência está usando, e que já está prenunciando que este
julgamento será muito tumultuado”, profetizou.
Só em maio deste
ano, já como presidente da corte, Barbosa revelou sua inenção de
suprimir a possibilidade do recurso, ao negar, em decisão individual, os
embargos infringentes requeridos precipitadamente pela defesa do
ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Teria cometido a sua “deslealdade”,
já que jamais falara antecipadamente sobre o assunto?
Para o
criminalista Marcelo Leonardo, que representa o publicitário Marcos
Valério, se a defesa de Delúbio não tivesse violado o devido processo
legal e entrado prematuramente com os infringentes, essa discussão
sequer ocorreria. “Antes de maio, nenhum dos advogados seria capaz de
supor essa polêmica”, afirmou. Alçado ao posto de vilão da advocacia, o
advogado que represente Delubio, Antônio Malheiros, tem se mantido longe
do plenário do STF.
O segundo precedente de Mello
Na
coletiva de ontem, Celso de Mello disse que a segunda vez que se
manifestou sobre os infringentes foi em dezembro do ano passado, quando
foi designado relator de embargos de declaração da ação penal 409, como
já havia lembrado Lewandowski em seu voto.
Mello não acolheu o recurso,
mas porque os votos divergentes não somavam o mínimo de quatro, e não
porque o considerasse inadmissível. Ele não aventou a hipótese dos
infringentes terem sido revogados pela Lei 8038/90, como agora alegam os
contrários ao recurso.
Na coletiva, Celso de Mello não comentou
as possíveis pressões que estaria sofrendo em função da responsabilidade
de dar o voto de minerva. “Essa responsabilidade é inerente ao
desempenho no caso e à função”, se limitou a dizer, acrescentando que
empates acontecem muitas vezes, independentemente da natureza da
matéria. “As decisões que emanam do Supremo não são individuais, mas
revertidas de coletividade”, acrescentou.
O decano, entretanto,
será submetido a uma semana de manchetes incisivas sobre seu papel neste
imbróglio. E sua história, inclusive no curso da própria ação penal do
mensalão, demonstra que ele não é dos mais afeitos a desagradar às
forças conservadoras. No curso do julgamento do mensalão foi um dos que
condenaram com mãos mais pesadas, como fez questão de recordar o
ministro Gilmar Mendes, também durante o seu voto.
O juiz que largou o apito
Se
o julgamento do mensalão fosse um jogo de futebol, seria impossível não
observar que o ministro Gilmar Mendes abandou de vez o apito e decidiu
cavar o gol junto ao time que ele representa. Deixou de ser ministro
para se travestir de Ministério Público. Atacou os réus com fúria
descomunal.
Alterou a voz, fez discurso político. Tal como Barbosa,
começou criticando a duração do julgamento, que já consumiu mais de 50ª
sessões e, de tão longo, assistiu à aposentadoria de dois ministros.
“Talvez não estejamos mais aqui quando os embargos vierem a ser
julgados”, apelou.
Mendes fez questão de recordar o que Celso de
Mello falou no seu voto sobre o crime de quadrilha, que ajudou a dar
maioria para a decisão mais polêmica do caso e, por isso, a mais
suscetível aos embargos infringentes.
“Este processo revela um dos
episódios mais vergonhosos da história política de nosso país, pois os
elementos probatórios que foram produzidos pelo Ministério Público
expõem aos olhos de uma nação estarrecida, perplexa e envergonhada, um
grupo de delinquentes que degradou a atividade política, transformando-a
em plataforma de ação criminosa”, afirmou, citando as palavras do
ministro que, estrategicamente, será o responsável pelo desempate.
Fez
jus à fama de “o mais aliado com a direita dentre os 11 homens da
corte”, ao dar voz ao fantasma do medo do comunismo e atacar ferozmente o
que definiu como “o pensamento de que o partido é o Estado”.
Ele
lembrou que o mensalão, pelo que se apurou até o momento, desviou R$ 170
milhões dos cofres públicos. “Perto disso, o crime de Donadon, que
envolve fraude de R$ 8 milhões, deveria ser tratado em juizado de
pequenas causas”, atacou.
O ministro discordou do argumento
apresentado pelos favoráveis aos infringentes de que a Lei 8038 não
revogou o revogou o Regimento Interno do STF, que prevê o recurso. Citou
artigo da ex-ministra Ellen Gracie, em que ela afirma o contrário.
Jogou por terra seus pareceres anteriores que destacavam que a
legislação internacional se sobrepor a nacional, ao desconsiderar o
direito ao duplo grau de jurisdição previsto no Pacto de São José da
Costa rica, convenção da qual o Brasil é signatário.
Ao final do
voto, jornalistas que assistiam à sessão na sala contígua ao plenário
aplaudiram e deram vivas. Estava garantida sua prevalência no noticiário
de ontem, de hoje e dos próximos dias.
Com direito a puxão de orelha
Sem
ter preparado um voto por escrito, o ministro Marco Aurélio, que
empatou o placar em 5X5 fechando a sessão, também insistiu na tecla da
celeridade, lembrando que mais de 400 ações penais aguardam julgamento
na corte.
“Eu mesmo tenho processo – e isso é uma frustração para o
julgador – que liberei há 10 anos para julgamento”, argumentou. Não
respondeu à provocação de Lewandowski, que sugeriu o aumento do número
das sessões.
Ele também lembrou que “a sociedade pede o fim do
processo do mensalão”. Acabou interrompido pelo ministro Luiz Roberto
Barroso: “Eu sou um juiz constitucional. Não estou pleiteando ser
manchete favorável no dia seguinte”.
Barroso também recordou que o papel
do juiz é servir à Constituição. "A opinião pública é muito importante
em uma democracia e fico muito feliz quando coincide com a decisão do
tribunal constitucional.
Agora, se o que considero certo não bate com a
opinião pública, eu cumpro meu papel. A multidão quer o fim desse
julgamento, e eu também. Mas nós não julgamos para a multidão, nós
julgamos pessoas”.
O ministro acrescentou que uma pessoa que
tivesse um pai, filho ou irmão na reta final de um julgamento em que as
regras fossem mudadas no último minuto, jamais concordaria com isso.
“Não estou aqui subordinado à multidão.
Não tenho o monopólio da
certeza, mas tenho o monopólio íntimo de fazer o que acho certo. O que
sair no jornal do dia seguinte não faz diferença pra mim se não for o
certo", disse Barroso.
Irritado, Marco Aurélio insistiu que dá,
sim, importância ao noticiário, “porque é servidor público e, por isso,
deve prestar contas à sociedade”. E desqualificou o colega que,desde que
entrou no julgamento, no último mês, vem desabonando as decisões
tomadas pela maioria do STF:
“Vejam que o ‘novato’ parte para a critica
ao próprio colegiado, como partiu em votos anteriores. No que chegou a
apontar que não decidiria da forma na qual nós decidimos. Não respondi à
critica, não foi uma crítica velada, foi uma crítica direta, porque não
achei que era bom para o tribunal a autofagia".
Carmem Lúcia na defensiva
Primeira
a votar na sessão desta quinta, quando o placar ainda estava em 4X2 em
favor dos réus, Carmem Lúcia decepcionou pelos argumentos tacanhos. Já
começou na defensiva, esclarecendo que, nas oportunidades anteriores em
que se pronunciou sobre embargos infringentes, foi para dizer que eles
não eram cabíveis em habeas corpos e, portanto, não fizera análise da
sua admissibilidade. “Digo isso para não ficar a impressão de que houve
mudança de tendência ou um comportamento inovador”, justificou.
Segundo
a ministra, cabe ao Congresso legislar sobre as leis nacionais, como é o
caso da legislação penal - e não há lei de autoria do Congresso que
preveja os embargos. Ela desconsiderou que, por decisão do próprio poder
constituinte, o Regimento Interno do STF foi acolhido com força de lei
pela Constituição de 1988. E revelou que decidiu pela inadmissibilidade
dos infringentes ao observar que esses recursos não são cabíveis no
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para ela, dois réus
hipoteticamente acusados pelo mesmo crime que, por questões de
prerrogativas de foro, fossem ser julgados no STF e STJ, teriam
tratamento diferenciado, o que fere o princípio da isonomia. “Não posso
tratar desigualmente os desiguais neste caso, porque aqui são iguais”,
observou. A ministra também não considerou que o réu condenado
originariamente pelo STJ, colegiado de 2ª instância, tem como recorrer
ao STF, enquanto o condenado pelo STF, não.
Além disso, preferiu
esquecer que, na própria ação do mensalão, esse princípio já foi
ferido, tendo em vista que réus sem direito a foro privilegiado foram
condenados no STF, enquanto outros ainda estão sendo julgados nas
instâncias inferiores. Caso, por exemplo, de quatro executivos do Banco
do Brasil que, junto com Henrique Pizzolatto, assinaram a autorização de
repasse dos recursos do Visanet para a agência de publicidade de Marcos
Valério. Apenas Pizzolatto foi julgado – e condenado - pela corte
máxima.
Ele respondeu ao questionamento de que os embargos
infringentes seriam uma forma de garantir o duplo grau de jurisdição,
alegando que este direito tem seus limites dentro do sistema jurídico
brasileiro. Arrepio geral na ala do plenário destinada ao assento dos
advogados.
Princípio da vedação do retrocesso
O
ministro Ricardo Lewandowsk, como esperado, votou a favor dos
infringentes. Para ele, a aceitação do recurso “permite a derradeira
oportunidade de corrigir erros de fato e de direito, sobretudo porque
encontra-se em jogo o bem mais precioso da pessoa depois da vida, que é
seu status libertatis”. Ao fazer um histórico sobre a legislação que
rege a corte, ele disse que todos os regimentos anteriores da casa
previam alguma forma de embargabilidade das decisões, sobretudo se em
única instância. “Portanto, essa possibilidade de embargar decisões não
unânimes é da história do STF”, defendeu.
Em resposta ao
argumento central da ministra Carmem Lúcia, Lewandowski lembrou que o
Superior Tribunal de Justiça foi criado pós Constituição de 1988.
Portanto, não tinha norma anterior recepcionada como lei, como é o caso
do STF, prevendo embargos infringentes. E criticou a postura dos colegas
que rejeitam o recurso, para ele, de forma casuística.
“Embora a Lei
8038 tenha criado os embargos de divergência, o recurso em habeas corpus
e o recurso em mandato de segurança apenas no âmbito do STJ, nunca se
cogitou a não interposição desses recursos no âmbito dessa corte.
Igualmente, a intervenção federal (...) só foi prevista na lei em
relação ao STJ. Não obstante, ninguém jamais competência do STF para
decretá-la”.
O ministro também ressaltou que, nas inúmeras vezes
que o STF os embargos infringentes, nunca observou que estivessem
revogados. E defendeu o princípio jurídico da vedação do retrocesso,
segundo qual nem o administrador, nem o legislador e nem o julgador
podem atuar para restringir os direitos que a constituição assegura.
“Não se pode retirar casuisticamente nesse julgamento um recurso com o
qual os réus contavam e com relação ao qual não havia qualquer
contestação nesta Corte".
Cenários possíveis
Com os
votos na mesa, a corte ficou dividida do seguinte modo: Barbosa, Luiz
Fux, Carmem Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio contra o recurso, e
Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Lewandowski a favor.
A sessão será retomada na próxima quarta (18), quando Celso de Mello
proferirá o seu.
Se os embargos infringentes forem acolhidos,
após a publicação do acórdão final, as defesas dos réus terá prazo de 10
dias para apresentar recursos. Um único e novo relator será designado
para o caso. “Para a defesa, isso é positivo porque significa que não
será mais o Joaquim Barbosa, que já deixou suas posições muito claras no
processo, e que são amplamente desfavoráveis aos réus”, explica Marcelo
Leonardo.
Não haverá um novo e longo julgamento, como vem sendo
repetido como mantra pela imprensa. O próprio ministro Marco Aurélio,
desfavorável aos infringentes, disse que serão julgadas apenas questões
muito específicas de réus específicos: os oito condenados por formação
de quadrilha, outros três por lavagem de dinheiro e um por evasão de
divisas.
Ele também rebateu a “ameaça” de Gilmar Mendes de que o
julgamento se perca indefinidamente em uma sucessão de recursos. “Isso
não é possível. O processo é dinâmico, não pode retornar”, retrucou.
O
ministro garantiu aos jornalistas - ávidos pela informação - que não
haverá prescrição de penas. “Com os embargos infringentes, suspende-se a
contagem. Não há este perigo”, rebateu. Marco Aurélio lembrou ainda
que, mesmo com o recurso, o resultado final pode nem sofrer alterações.
Uma possibilidade concreta seria Celso de Mello votar pelo recurso, para
manter sua coerência, e depois voltar a pesar a mão na reavaliação. Se
os dois novos ministros seguirem a tendência mais favorável aos réus, o
fiel da balança deverá ser o ministro Marco Aurélio, que ora acompanha
um grupo e ora outro.
Caso os infringentes sejam indeferidos, a
procuradora-geral da República em exercício, Helenita Acioli, já pedirá,
na mesma sessão, a prisão dos condenados. E o presidente da corte,
Joaquim Barbosa, decidirá se elas serão feitas imediatamente ou só após a
publicação dos embargos.
A mídia, de qualquer forma, estará mais perto
de obter as tão esperadas imagens com que tentará pautar as eleições de
2014: as das prisões dos “mensaleiros”, especialmente do ex-ministro
José Dirceu e do deputado José Genoino (PT-SP).